terça-feira, 22 de julho de 2014

NASCI PARA SER IGNORANTE

Nasci para ser ignorante
Poema de Sebastião da Gama

Nasci para ser ignorante.
Mas os parentes teimaram...
( e dali não arrancaram )
em fazer de mim estudante .

Que remédio ? Obedeci .
Há já três lustre que estudo.
Aprender, aprendi tudo,
mas tudo desaprendi .

Perdi o nome às Estrelas,
aos nossos rios e aos de fora.
Confundo fauna com flora.
Atrapalham-me as parcelas .

Mas passo dias inteiros
a ver um rio passar.
Com aves e ondas do Mar .
tenho amores verdadeiros .

Rebrilha sempre uma Estrela
por sobre o meu parapeito ;
pois não sou eu que me deito
sem ter falado com ela .

Conheço mais de mil flores.
Elas conhecem-me a mim .
Só não sei como em latim
as crismaram os doutores.

No entanto sou promovido,
mal haja lugar aberto,
a mestre : julgam-me esperto,
inteligente e sabido.
O pior é se um director

espreita pla fechadura :
lá se vai a licenciatura
se houve as lições do doutor .

Lá se vai o ordenado
de trinta e meia por mês.
Lá fico eu de uma vez
um Poeta desempregado.

Se não me lograr o fado,
porém, com tais directores,
e de rios, aves e flores
somente for vigiado .

enquanto as aulas correrem
não sentirei calafrios,
que flora , aves e rios,
ignorante é que me querem .

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