sexta-feira, 31 de outubro de 2014

VIRGEM


Virgem
Poema de Sebastião da Gama

P'lo teu corpo-carícia, nu,
p'lo teu corpo macio como penas...
de andorinha,
passei os dedos leves ...

E o teu corpo vibrou, na vibração
plena de ritmo
de uma rosa que rompe do botão.
Vibrou de tal maneira que, por fim,
não são já meus dedos p'lo teu peito
eu via,
mas, sim,
gozava a sensação de que media
aquele verso perfeito
por que vim ...
( in Itinerário Paralelo )

ALEGRIA


Alegria
Poema de Sebastião da Gama

Fazer um verso ...
Confiante e calmo,...
ficar depois à espera que floresça ...
(Ah !, é preciso
é que floresça :
seja no coração de uma criança,
ou no da mais impura prostituta )
E quando, enfim florir,
não trocar por nenhuma essa alegria .
Maior nem a de Deus, criando
da mesma escuridão as Aves e o Dia .

MADRIGAL A UMA ESTRELA




Madrigal a uma estrela
Poema de Sebastião da Gama

De histórias de estrelas
ninguém quer saber. ...
Não conto, não conto...
Quem é que te quer,
história da estrela
que fica por cima
da minha janela?
Tão bela! Tão bela!
Comigo te guardo,
na vida e na morte.
Serás um segredo...
Serás uma estrela
que eu leve a meu lado
na vida que leve...
Escura que seja
— que vida tão clara!
Que noite tão branca
a noite que eu durma
(debaixo da terra)
debaixo da estrela!
Não conto. Não digo.
Comigo te guardo.
Assim tu, á estrela,
me guardes contigo...

JANELA

JANELA

Não basta abrir a janela
para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego...
para ver as árvores e as flores .
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores : há ideias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora ;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
que nunca é o que se vê quando se abre a janela.

(Sebastião da Gama)

TOADA DO LADRÃO




Toada do Ladrão

A mim não me roubaram
Porque eu nada tinha.
Mas roubaram tudo ...
À minha vizinha.

Vejam os senhores:
Roubaram-lhe a ela
A filha mais grácil,
A filha mais bela.

Nem na sua casa,
Nem na freguesia,
Sequer no concelho,
Melhor não havia.

Prendada, bonita...
E depois... uns modos
De matar a gente,
De prender a todos.

Dizia a vizinha
Que era o seu tesoiro;
Que valia mais
Que a prata e que o oiro.

Que a não trocaria
Por coisa nenhuma;
Que filhas assim
Só havia uma.

Pois hoje um ladrão
Que há muito a mirava
Entrava-lhe em casa
Para sempre a levava.

É a minha vizinha
Dona de solares
E de longas terras
Com rios e pomares.

E de jóias raras
Que ninguém mais tinha,
Ei-la num instante
Pobrinha... pobrinha...

(Tem pomares ainda,
Tem jóias, tem oiro...
Mas de que lhe servem
Sem o seu tesoiro?)

- Vizinha e senhora,
Não me queira mal!
Se há ladrões felizes
Sou o mais feliz
Que há em Portugal.

Sebastião da Gama

POESIA DEPOIS DA CHUVA




«« Poesia depois da chuva »»

Depois da chuva o Sol - a raça.
Oh! a terra molhada iluminada!
E os regos de água atravessando a praça...
- luz a fluir, num fluir imperceptível quase.

Canta, contente, um pássaro qualquer.
Logo a seguir, nos ramos nus, esvoaça.
O fundo é branco - cai fresquinha no casario da praça.
Guizos, rodas rodando, vozes claras no ar.

Tão alegre este Sol! Há Deus. (Tivera-O eu negado
antes do Sol, não duvidava agora.)
Ó Tarde virgem, Senhora Aparecida! Ó Tarde igual
às manhãs do princípio!

E tu passaste, flor dos olhos pretos que eu admiro.
Grácil, tão grácil!... Pura imagem da tarde...
Flor levada nas águas, mansamente...

(Fluida a luz, num fluir imperceptível quase...)

Sebastião da Gama

domingo, 26 de outubro de 2014

MEU PAÍS DESGRAÇADO





MEU PAÍS DESGRAÇADO (Poema de Sebastião da Gama ,com mais de meio século , mas, actualíssimo )

Meu país desgraçado...
E no entanto há Sol a cada canto
e não há Mar tão lindo noutro lado. ...
Nem há Céu mais alegre do que o nosso,
nem pássaros, nem águas ...

Meu país desgraçado!...
Por que fatal engano?
Que malévolos crimes
teus direitos de berço violaram?

Meu Povo
de cabeça pendida, mãos caídas,
de olhos sem fé
— busca, dentro de ti, fora de ti, aonde
a causa da miséria se te esconde.

E em nome dos direitos
que te deram a terra, o Sol, o Mar,
fere-a sem dó
com o lume do teu antigo olhar.

Alevanta-te, Povo!
Ah!, visses tu, nos olhos das mulheres,
a calada censura
que te reclama filhos mais robustos!

Povo anêmico e triste,
meu Pedro Sem sem forças, sem haveres!
— olha a censura muda das mulheres!
Vai-te de novo ao Mar!
Reganha tuas barcas, tuas forças
e o direito de amar e fecundar
as que só por Amor te não desprezam!


sábado, 25 de outubro de 2014

OBCESSÃO


Obsessão
Poema de Sebastião da Gama



Quero a Noite completa, desumana.
A Noite anterior. A Noite virgem ...
de mim. A Noite pura. Quero a Noite,
aonde é impossível encontrar-te.

Que não há rio nem rua nem montanha
nem floresta nem prado nem jardim
nem pensamento algum nem livro algum
em que não me apareças, sorridente.

sábado, 18 de outubro de 2014

MORDAÇA ( Mais um Poema escrito em Tempo da Ditadura )




Mordaça

Puseram-lhe na boca uma mordaça…

Mas o Poeta era Poeta ...
E tinha que falar.

Fez um esforço enorme,
puxou a voz como quem golfa sangue
e a mordaça soltou-se-lhe da boca.

Porém, não era já mordaça:
Agora,
era um poema a queimar
os ouvidos das turbas inimigas
que, na praça,
o tinham querido calar

Sebastião da Gama - in Itinerário

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

CONDIÇÃO



Condição
Poema de Sebastião da Gama

Constrói ao menos
qualquer coisa efémera ....
Pois mais não podes ser,
sê ao menos efémero .

Grava os passos na areia,
desenha sobre a estrada
teu vulto.
É melhor do que nada .

a desfazer-te o rastro
virá o Mar, é certo .
Vira, é certo , a Noite
beber a tua sombra .

Efémero ? Serás ...
Mas presente
no Mar, eternamente;
na Noite, para sempre .
 

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

O PROFESSOR E POETA COM SEUS ALUNOS NA VEIGA BEIRÃO


OFERTA ENVIADA HOJE PELA Amigos-EscolaComercialVeigaBeirão
https://www.facebook.com/amigosescolacomercial.veigabeirao?fref=photo

MEMORIAL JUNTO À ESTALAGEM ANTIGA NO PORTINHO DA ARRÁBIDA




Os Alunos da Escola Comercial Veiga Beirão , que tiveram como Professor Sebastião da Gama , receberam dele, um carinho muito especial , no seu Livro "DIÁRIO" . Estes , nunca o esqueceram e, em sua Memória, mandaram erigir um  simbólico Memorial , perto da Casa onde viveu o Poeta , no Portinho da Arrábida . Aconteceu em Fevereiro de 1987 a Inauguração Oficial deste Monumento , que se pode ver a sua fotografia , ao lado direito. Agradeço todas a colaboração que  Página dos antigos alunos deste Escola , nos tem oferecido .  Abraço Fraterno , para  Amigos-Escola Comercial Veiga Beirão .

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

MANHÃ NO SADO


" Manhã no Sado",
Poema de Sebastião da Gama

Brancas, as velas
eram sonhos que o rio sonhava alto....
Meninas debruçadas em janelas,
viam-se, à flor azul das águas, as gaivotas.
E a Manhã quieta (sorrindo, linda, vinha vindo a Primavera…)
punha os pés melindrosos entre as conchas.
Derivavam jardins imponderáveis
dos seus passos de ninfa
e tremiam as conchas
de súbitas carícias.

Longe era tudo: o medo dos naufrágios,
as angústias dos homens, o desgosto,
os esgares das tragédias e comédias
de cada um, os lutos, as derrotas.
Longe a paz verdadeira das crianças
e a teimosia heróica dos que esperam.

Ali, à beira-rio,
de olhos só para o rio, de ouvidos surdos
ao que não é a música das águas,
um sossego alegórico persiste.
Nem o arfar das velas o perturba.
Nem o rumor dos seios capitosos
da Manhã, que nas águas desabrocham
e flutuam, doentes de perfume.
Nem a presença humana do Poeta
- sombra que a pouco e pouco se ilumina
e se dilui, anónima, na aragem…

Sebastião da Gama
 

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

ELEGIA PARA UMA GAIVOTA

IMAGEM




Imagem
Poema de Sebastião da Gama

Deixem-me esta imagem, mesmo quando eu dormir, mesmo quando eu morrer.
...
Esta imagem de cores bailando, bailarinas falsas, danças verdadeiras de luz saudável

De coisas só muito boas, como nem nos sonhos.

Porque eu não estou sonhando. esta imagem aconteceu - me eram seis horas da tarde
e eu tinha os olhos abertos
e os pássaros cantavam, nítidos, no ar.

Vou levá-la comigo,
bem no fundo dos meus olhos que é como quem diz bem no fundo da minha alma,
a todos os sítios a que for.
Pra olhá-la quando estiver triste
e quando estiver contente
e quando não estiver contente nem triste.

Esta imagem aconteceu-me eram seis horas da tarde... o Sol estava alegre, o Mar alegre.
E eu que não estava alegre nem triste
fiquei alegre sem saber porquê...
 

ORAÇÃO DA TARDE