quinta-feira, 25 de setembro de 2014

ALEGORIA



Alegoria
Poema de Sebastião da Gama

Junto do Mar canta a Cigarra.
Canta, p´ra iludir ...
a fome e a solidão ;
p'ra fingir que tem pão
e p´ra fingir que está acompanhada .

Tremeluzem os Astros no céu nítido :
Dona Cigarra faz serão.
Como há-de ela dormir, se a vida e curta ?
-- : Cigarra que se presa , quando morre
não deve estar a meio da canção .

Ninguém pára a saber por que é que canta.
Ninguém lhe dá ouvidos nem conforto .
Melhor, , assim : assim , não perde tempo
quem não pode cantar depois de morto.
A parte que lhe coube por destino,
tem de morrer deixando-a já cantada .
Que faz que a não escutem nem lhe acudam ?
É preciso é sentir que se está vivo .
É preciso é que asas que sosseguem
o tenham merecido .

Canta a Cigarra à sombra da montanha
e à sua voz a solidão alastra ,
deixa-a mais longe , sempre , dos que dormem.
Só a noite a entende e agasalha.
Mas a voz não acusa nem se cansa
nem laiva de azedume ou amargura.

Ei-la crucificada de indiferença .
Serve-lhe a Noite de mortalha .
Morno ainda do Canto,
seu coração evola-se em ternura
que vai poisar no sonho dos que dormem ...
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terça-feira, 23 de setembro de 2014

CONTO EM VERSO DA PRINCESA ROUBADA





Conto em Verso da Princesa Roubada
Poema de Sebastião da Gama

Não sei outra história
senão a que sei :...
Os ladrões levaram
a filha do Rei -

-- Sela o teu cavalo.
que hoje há montaria .
-- roubaram-me a minha filha ,
não tenho alegre .

A Ricos e a pobres
faz El-Rei saber :
---Casará com ela
o que ma trouxer .

-- Mas se for um monstro
feio e cabeludo ?
Mas se for um negro ?
Mas de for um mudo ?

-- Ao melhor serviço
cabe a melhor paga :
Será o meu genro
quem quer que ma traga .

Oh que lindo moço
deu com a donzela !
Como vem contente
pelo braço dela !

Nunca o Paço viu
par tão delicado:
Rosa de jardim
com seu cravo ao lado .

Que feliz o Rei,
que já tem a filha,
que já tem um genro
que é uma maravilha !

Como lhe sorri ,
Lhe agredece tudo ! ...

-- Mas se fosse um monstro ?

Mas se fosse um mudo ?

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

ZÉ D'ANIXA ( Pseudónimo de Sebastião da Gama )




IMAGEM : Pedra da Anixa ou Anicha ( Portinho da Arrábida )
«« ZÉ D'ANIXA »»
SABIA QUE :
OS PRIMEIROS POEMAS PUBLICADOS POR SEBASTIÃO DA GAMA
FORAM SOBRE O PSEUDÓNIMO DE «« ZÉ D'ANIXA »» EM JORNAIS COMO (Gazeta do Sul) E REVISTAS LITERÁRIAS (Brotéria, Távola Redonda) .

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

MANHÃ NO SADO

Manhã no Sado
Poema de Sebastião da Gama

Brancas, as velas
eram sonhos que o rio sonhava alto.
Meninas debruçadas em janelas,
viam-se, à flor azul das águas, as gaivotas.
E a Manhã quieta (sorrindo, linda, vinha vindo a Primavera…)
punha os pés melindrosos entre as conchas.
Derivavam jardins imponderáveis
dos seus passos de ninfa
e tremiam as conchas
de súbitas carícias.

Longe era tudo: o medo dos naufrágios,
as angústias dos homens, o desgosto,
os esgares das tragédias e comédias
de cada um, os lutos, as derrotas.
Longe a paz verdadeira das crianças
e a teimosia heróica dos que esperam.

Ali, à beira-rio,
de olhos só para o rio, de ouvidos surdos
ao que não é a música das águas,
um sossego alegórico persiste.
Nem o arfar das velas o perturba.
Nem o rumor dos seios capitosos
da Manhã, que nas águas desabrocham
e flutuam, doentes de perfume.
Nem a presença humana do Poeta
- sombra que a pouco e pouco se ilumina
e se dilui, anónima, na aragem…

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

TRADIÇÃO



Tradição
Poema inédito ( Não publicado em Livro )
De Sebastião da Gama

Os engenheiros vieram, mediram, olharam…...
Havia árvores velhas…
Mandaram deitar abaixo
e os homens deitaram.
Sem lamentos, sem ais,
as árvores caíram…
Mas os engenheiros não puseram mais;
em seu lugar apenas
três cardos enfezados refloriram.
E os cardos vis são gritos de revolta
das sombras errantes pelo Ar;
das sombras que tinham por abrigos
aqueles freixos antigos
que o machado foi matar.
As sombras gritam, mas os engenheiros
Não põem freixos novos no lugar.
 


PÃO NOSSO DE CADA DIA


Pão Nosso de Cada Dia
Poema de Sebastião da Gama

Chega até aqui o barulho do Mundo.
Só as vozes alegres, As tristes, essas, não....
.. Fazem um sussurro tão leve, tão íntimo ,
que só imaginando-as consigo ouvi-las.
Mas elas é que são mais verdadeiras
( mais verdadeiras, não ; mais constantes ) .

Ah! , é preciso acabar com isto.
Erguer as mãos (mas de protesto,
não de súplica pra Deus ,
a gritar : « Queremos a Vida, queremos a Felicidade.
Queremos o pão nosso de cada dia .

Nós que trabalhamos , que desejamos,
nós que merecemos. Senhor , nós que merecemos , queremos a vida , queremos a Felicidade .

Senhor, eu sou Poeta .Tenho pão e tenho vinho.
Posso gozar os Teus rios, as Tuas serras ,
a liberdade que me deste.
Sou quase feliz . Mas até onde estou
chegam, nítidas, as vozes de alguns como eu
e chegam , adivinhadas as dos tristes,
as dos que não têm nada
senão o direito de serem felizes também .

Eu aceito, Senhor,
que seja impossível compreender-Te .
E sei que que há para todas horas que são aleluias
-- mesmo para os mais desgraçados .
É enorme .
é grandioso a gente não compreender nada disto.

E no entanto minha incompreensão grandiosa,
minha aceitação grandiosa,
num instante se abatem. Simplesmente
porque tem menino magro, lá em baixo
no Mundo pediu-me pão.
Triste pediu-me pão,
como se o pão não devera ser gratuito como o Sol ...
 

domingo, 14 de setembro de 2014

ENFERMEIRA





Enfermeira
Poema de Sebastião da Gama

As raras vezes que apareces,
eu imagino-te doente....
A hora é branca, toda branca ...
E tu, serena , resplandeces,
tambem de branco .

Há um silencio que se enflora
de uma ternura desusada
Talvez a chuva lá por fora ...
Mas para mim não há mais nada
que a tua imagem, nessa hora ,
sobre o meu peito debruçada .
 

sábado, 13 de setembro de 2014

CONVITE A SER-SE MOÇO

Convite a Ser-se Moço
Poema de Sebastião da Gama


Não !
- que há-de  vir nova sorte ;
que estou na casa dos vinte,
a minha Noiva é moça e confiante,
e todas as manhãs
surgem de cada tronco mais rebentos
que o Sol baptiza .
NÃO AINDA NÃO ! Reprime.
Jovem, essa grande vontade de choraar,
não vá julgar-te a Vida algum estranho
por quem passe indiferente e  distraída .
Como há-de agasalhar-te ,
como há-de  , Jovem ,
se te não reconhece por seu filho ?...
AINDA NÃO !
Agora, esquece
o que tu crês motivo para chorar
( seja tristeza, Jovem, ou saudade )
reprime o choro e merece
a rua mocidade ...

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

ANOTAÇÃO



Anotação
Poema de Sebastião da Gama

A chuva
deixou a terra molhada....
Deixou a terra feliz
e passou.

Depois nasceram trigos , fontes, cravos ...
E foi tudo tão simples!...

Deus do Céu e da Terra , quem pudesse
perceber Tuas íntimas Razões !
Tantas e vãs orações,
tanta lágrima vã e tanto grito ...

...quando Te era tão simples, afinal
como Te foi criar o Mundo em três ou quatro dias ,
fazer do nosso mal
como sabes Tu que lindas alegrias .
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sábado, 6 de setembro de 2014

LIBERTAÇÃO

Libertação
Poema de Sebastião da Gama

Em mim a recolhi,
a Luz...
que ao Sol-posto baixou ...

Daí
minha saudade do Céu,
aspiração de apenas ser a Luz que me inundou,
liberta
desta mancha de sombras que sou eu .

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

MARIBEL

Maribel
Poema de Sebastião da Gama

Era tão triste o conto
que não valia a pena....
mas a menina insiste :
-- Avó, o conto triste -

-- Era uma vez... -- contava .

Ao fim soube a menina
que o Príncipe morrera
numa batalha inglória.

-- Não conte mais a história !
Avó, não contes mais
a história, que é tão triste .

Viuvinha tão bela
de um Príncipe tão jovem
adormeceu chorando.

Já as lágrimas secaram.
Já um sorriso aflora
seus lábios de Princesa .

Feliz Príncipe morto !

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

É O SOL E MAIS NADA

É o Sol e Mais Nada
Poema de Sebastião da Gama

É o Sol e mais nada
neste momento importa....
Brinquem os raros felizes
no seu jardim em flor.
Dancem danças de roda.
digam versos de Amor,
e o sumo das laranjas
lhes adoce a garganta.

É o sol no pomar
e no jardim dos tristes.
Tristíssimos os tristes
que não venham bailar!

Estavam três meninas
sentadas no pomar.
Estavam três rapazes.
E as meninas pensaram
que o Sol não acabava.
E os rapazes fingiram
acreditar também
que o Sol não acabava.
E moços e meninas
bailaram no pomar .

Era o Sol, era o Sol
e tanto lhes bastava.
Tristíssimos os tristes
que por desconfiança
não quiseram bailar !,
e àquela mesma hora
choravam no jardim,
choravam no pomar .