sábado, 29 de novembro de 2014

SENHORA DA LAPA

A SERRA DA ARRÁBIDA

CREPUSCULAR

PORTA ABERTA



Porta Aberta
Poema de Sebastião da Gama
Hoje, não !
Deixem-me estar aqui, sossegadinho,...
tomando o gosto às minhas Alegrias .
Há tantos outros dias
em que podem chamar-me !
E tantos, tantos,
em que tenho desejo de me dar
( Mais que desejo : sede ... )
sem que ninguém repare nos meus olhos
cansados de pedir !
Amanhã ou depois -- quando quiserem ...
Hoje, deixem-se só,
na paria , recolhido .
É tão grande este dia para mim ! ...
Mas se eu ouvir chorar ?
mas se eu vir criancinhas
com as mãos estendidas e uma queixa
na palidez precoce de um sorriso ?
Mas se homens tristes ...

Perdoai ! perdoai !, que me esquecia
de vós.
como se para vós o dia de hoje
não fosse um dia igual aos outros dias !

CONFIDÊNCIA

AO SOL POSTO

ODE A UMA VIRGEM

O FOLHADO

VERSOS PARA EU DIZER DE JOELHOS

FORMA

DIA DE FINADOS

IMAGEM

ELEGIA DESTA MANHÃ

VERSOS AO MAR

SERRA-MÃE

NUPCIAL

ROSAS

ANUNCIAÇÃO

O SONHO

terça-feira, 25 de novembro de 2014

PORTA ABERTA




Porta Aberta
Poema de Sebastião da Gama

Hoje, não !
Deixem-me estar aqui, sossegadinho,...
tomando o gosto às minhas Alegrias .
Há tantos outros dias
em que podem chamar-me !
E tantos, tantos,
em que tenho desejo de me dar
( Mais que desejo : sede ... )
sem que ninguém repare nos meus olhos
cansados de pedir !
Amanhã ou depois -- quando quiserem ...
Hoje, deixem-se só,
na paria , recolhido .
É tão grande este dia para mim ! ...
Mas se eu ouvir chorar ?
mas se eu vir criancinhas
com as mãos estendidas e uma queixa
na palidez precoce de um sorriso ?
Mas se homens tristes ...

Perdoai ! perdoai !, que me esquecia
de vós.
como se para vós o dia de hoje
não fosse um dia igual aos outros dias ! ...



sexta-feira, 21 de novembro de 2014

BANDEIRA ALEGRE






Bandeira Alegre
Poema de Sebastião da Gama

Vou fincar, içada ao alto
como qualquer bandeira,...
vou fincar, aqui na praia,
minha alegria verdadeira .

Agite a Brisa as suas cores.
Dê-lhes o Sol mais vida ainda.
Não se esqueça neste arredores
outra bandeira tão linda .

Pode haver vendavais, ciclones ,
fúrias de águas
que a praia deixem combalida :
salva, mais alta do que as ondas, a bandeira,
Nossa Senhora Aparecida ,
dará coragem, fé sinais de terra,
aos que se apegam, ignorados
heróis marítimos, aos restos
de seus navios naufragados.

E os que pra sempre os olhos correm
hão-de ter tempo de a ver,
minha alegria posta ao alto :
e assim custa-lhes menos a morrer .

Não que a distingam bem : nela verão,
enquanto a vista lhes desmaia,
lenços de Irmãs, de Mães, de Esposas,
que lhes acenam na praia .
 

domingo, 16 de novembro de 2014

JUNTA DO MAR CANTA A CIGARRA



Junto do Mar canta a Cigarra.
Poema de Sebastião da Gama

Canta, p’ra iludir
a fome e a solidão;...
p’ra fingir que tem pão
e p’ra fingir que está acompanhada.

Tremeluzem os Astros no céu nítido:
Dona Cigarra faz serão.
Como há-de ela dormir, se a vida é curta?
Cigarra que se preza, quando morre
não deve estar a meio da canção.

Ninguém pára a saber por que é que canta.
Ninguém lhe dá ouvidos nem conforto.
Melhor, assim: assim, não perde tempo
quem não pode cantar depois de morto.

A parte que lhe coube por destino,
tem de morrer deixando-a já cantada.
Que faz que a não escutem nem lhe acudam?
É preciso é sentir que se está vivo.
É preciso é que as asas que sosseguem
o tenham merecido.

Canta a Cigarra à sombra da montanha
e à sua voz a solidão alastra,
deixa-a mais longe, sempre, dos que dormem.
Só a noite a entende e agasalha.
Mas a voz não acusa nem se cansa
nem laiva de azedume ou amargura.

Ei-la crucificada de indiferença.
Serve-lhe a Noite de mortalha.
Morno ainda do Canto,
seu coração evola-se em ternura
que vai poisar no sonho dos que dormem...”

sábado, 15 de novembro de 2014

A UMA RAPARIGA



A uma rapariga
Poema de Sebastião da Gama

Somos assim aos dezassete.
Sabemos lá que a Vida é ruim!...
A tudo amamos, tudo cremos.
Aos dezassete eu fui assim.

Depois, Acilda, os livros dizem,
dizem os velhos, dizem todos:
"A Vida é triste. a Vida leva,
a um e um, todos os sonhos."

Deixá-los lá falar os velhos,
deixá-los lá... A Vida é ruim?
Aos vinte e seis eu amo, eu creio.
Aos vinte e seis eu sou assim.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

PALAVRAS A FREI AGOSTINHO




PALAVRAS A FREI AGOSTINHO
Poema de Sebastião da Gama

Soubesse eu, Agostinho, aonde paira a tua alma ...
Não. não na quero amor-perfeito ou borboleta...
( só saudade e perfume )
espalmados entre as folhas do teu livro.
Não , não as quero assim torturadas ,
interrogante, trágica,
como ela está na letra dos teus versos.
Preciso é de alcançar-te em beatitude.
É a tua alma plena que eu procuro,
a tua alma liberta, não já tanto a nossa Irmã,
quanto a de quantos a Morte esclareceu .
Não é a alma viva da nossa vida
- que essa é por demais igual à nossa,
mas a tua alma vivada outra vida em que se fala
e em que tudo é simples e claríssimo
e não há incertezas, nem paixões, nem dramas.
Essa sim, só essa pode responder
às mil perguntas ( complicadas, escuras , doentes de incerteza e de paixão e drama )
que sem ordem acodem aos meus lábios.
Tu, ciente de todas as verdades,
tu, aureolado de todas as certezas,
cheio de graça e serenidade,
vem até mim, até ao labirinto
que aos poucos se me foi tornando a alma,
diz-me se vale ou se não vale a pena ,
afligir-me
e tenta perceber o que me aflige.
Que eu , não percebo apenas,
que desde que voltei os olhos para o Mundo
e tratei por Irmãs todas as coisas
Deus nunca mais desceu à minha casa .

E tu, Agostinho, descerás ?
 

terça-feira, 11 de novembro de 2014

ELA VEIO ...


ELA VEIO ( A Morte )
Poema de Sebastião da Gama
NOTA : Permitam-me uma nota . Este Poema publicado no Livro " Itinerário Paralelo " , não tem título . O manus...crito tem . Estou-o digitando com Dor e Respeito e, de momento, não me sinto com coragem de digitar mais Poemas .
O Poema
Como a Luz, como a Sombra, como a Vaga,
como a Noite ...
Foi assim que ela veio. Subtilmente
me enredou na volúpia misteriosa
das suas falas mansas quase mudas .
Não mais teve sentido o meu relógio.
Eram folhas no Outono as folhas brancas
do calendário.
Afogado e perdido sem remédio,
só me ficou de fora a mão direita
para deixar escritos estes versos .

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

MANHÃ NO SADO


"Manhã no Sado",
Poema de Sebastião da Gama

Brancas, as velas
eram sonhos que o rio sonhava alto....
Meninas debruçadas em janelas,
viam-se, à flor azul das águas, as gaivotas.
E a Manhã quieta (sorrindo, linda, vinha vindo a Primavera…)
punha os pés melindrosos entre as conchas.
Derivavam jardins imponderáveis
dos seus passos de ninfa
e tremiam as conchas
de súbitas carícias.

Longe era tudo: o medo dos naufrágios,
as angústias dos homens, o desgosto,
os esgares das tragédias e comédias
de cada um, os lutos, as derrotas.
Longe a paz verdadeira das crianças
e a teimosia heróica dos que esperam.

Ali, à beira-rio,
de olhos só para o rio, de ouvidos surdos
ao que não é a música das águas,
um sossego alegórico persiste.
Nem o arfar das velas o perturba.
Nem o rumor dos seios capitosos
da Manhã, que nas águas desabrocham
e flutuam, doentes de perfume.
Nem a presença humana do Poeta
- sombra que a pouco e pouco se ilumina
e se dilui, anónima, na aragem…

Sebastião da Gama

domingo, 9 de novembro de 2014

APONTAMENTO


Apontamento
Poema de Sebastião da Gama

É tão bom
Sentir a ventania lá por fora...
e a calma cá por dentro!...

Ou o contrário disto:
vento e raiva cá por dentro e, lá por fora, uma calma
que mais parece um gesto ou um olhar
de Cristo...

Ou, então,
chegar a esta confusão
de não saber se o vento é lá por fora
se é cá por dentro...

CANÇÃO DE MARINHEIRO


Canção de Marinheiro
Poema de Sebastião da Gama

Deixei no mar meu cachimbo,
minhas camisas de cor,...
os meus livros preferidos
e aquele beijo de Amor
que tu me deste à partida .

Deixei no mar quanto tinha ...
Deixei os remos, a vela,
e deixei o fio de ouro,
com medalhinha de prata.

Fui pobre, voltei mais pobre.
Deixei lá minha fortuna,
que era pouca e era muita,
porque era tudo que eu tinha .
-- Só não deixei minha boca,
para que falasse do Mar ...

Só não deixei os meus olhos,
para todos que nos virem
saberem que andei no Mar .

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

CANÇÃO INÚTIL


Imagem - Pintura de João Vaz

Canção Inútil
Poema de Sebastião da Gama
...
Nunca o Mar me quis ter nas suas ondas
enrolado e perdido.
Sou o Poeta das manhãs fecundas:
vivo me quer o Mar, para cantá-las
Ó Mar, onde se acaba
tudo que é vão!
Ó Mar feito do nada dos regatos
e dos rios efémeros!
Saibam minhas manhãs a maresia!
Haja ranger de cordas de navios
e searas de limos e de peixes,
haja a violência harmónica das ondas
nas manhãs que dão cor aos meus poemas!

Tudo fala verdade ao pé do Mar.
Mesmo as nuvens são velas que se rompem,
castigadas de um Sol que é vento puro
e que tem o direito de passar.
Andam gaivotas tontas à deriva
(acenos da ternura da Manhã…).
Tinem, nos estaleiros, marteladas.
E os motores monótonos, os gritos
dos homens e das aves, o inquieto
verbo do Mar, nas rochas espalmado
a todos os minutos, desde há séculos,
tudo revela a esplêndida verdade
de ao pé do Mar, em tudo que é do Mar,
a Vida estar desperta.

É o ar da Manhã, hálito alegre
do Mar, que enfuna as velas orgulhosas
desta canção poético-marítima.
Religiosamente aqui desfio
meu rosário de vagas.
Canção inútil!
Clarim que anunciou a Madrugada

depois de a Madrugada ter florido…

LÁ FORA É QUE SIM


Lá fora é que sim
Poema de Sebastião da Gama

Lá fora é que sim
me apetece estar...
Não ao pé do altar,
Virgem de Belém.

E se eu for lá para fora?...
amava-te igualmente...
só o modo era outro
de rezar e de ser crente.

Lá fora também andas...
Sem manto, sem coroa,
simples, Nossa Senhora!
Que mais linda és lá fora!...

Vais à fonte ( e eu a ver-te
entre as mais raparigas
-virgens, sem filhos essas)
encher a tua bilha.

Vais lavar o menino
mas a água é tão fria!...
queres que te acenda o lume,
Virgem Maria

CANÇÃO DA GUERRA


Canção da guerra
Poema de Sebastião da Gama

Aos fracos e aos covardes
não lhes darei lugar ...
dentro dos meus poemas.
Covarde já eu sou.

Fraco, já o sou demais,
e se entre fracos for
me perderei também.

Quero é gente animosa
que olhe de frente a Vida,
que faça medo à Morte.
Com esses quero ir,
a ver se me convenço
de que também sou forte.
Quero vencer os medos...
Vencer-me — que sou poço
de estúpidos terrores,
de feminis fraquezas.
Rir-me das sombras,
rir-me das velhas ondas
bravas, rir-me do meu temor
do que há-de acontecer.

Venham comigo os fortes...
Façam-me ter vergonha
das minhas covardias.
E de seus actos façam
(seus actos destemidos)
chicotes p’rós meus nervos.
Ganhe o meu sangue a cor
das tardes das batalhas.
E eu vá — rasgue as cortinas
que velam o Porvir.
Vá — jovem, confiado,
cumprindo o meu destino
de não ficar parado.

QUATRO MIL SOLDADOS


Quatro Mil Soldados
Poema de Sebastião da Gama

Ra ta plá ta plá
quatro mil soldados...
vão mecanizados
pela estrada fora.

Sereninha a hora,
manhã linda, linda,
mas os quatro mil
marcham indiferentes.

Ra ta plá ta plá
que bonito é!
Mas à volta há flores
e nenhum as vê.

Passam andorinhas,
dizem-lhes recados.
De olhos encantados,
passam raparigas.

Ondas lhes acenam.
Melros e pardais
fazem-lhes sinais
pela estrada fora.

Mas os quatro mil
vão mecanizados.
Passos acertados
pelo rataplã;

os ouvidos dados
só ao rataplã;
olhos cegos, cegos,
coração entregue

só ao rataplã
(Ra ta plá ta plá
Ra ta plá ta plá
Ra ta plá ta plá)

Que monotonia!
Que enfadonha letra!
Entretanto os melros
trinam de alegria.

Trinam, trinam, troçam.
─ Quatro mil soldados,
todos combinados,
negam a manhã!

Ra ta plá ta plá
Ra ta plá ta plá
Ra ta plá ta plá
Ra ta plá ta plá

À MEMÓRIA DE ALBERTO CAEIRO


À Memória de Alberto Caeiro
poema de Sebastião da Gama

Agora sim, que fechei o livro de Poesia.
O Sol deixou de ser uma metáfora para ser o Sol. ...
Os sentimentos deixaram de ser apenas palavras.
Tudo é de verdade, agora que fechei o livro de Poesia
[e olhei de frente quanto existe.

Porque diabo me ensinaram a ler?

(Se não soubesse ler nem sequer fechava o livro, insatisfeito porque o não tinha aberto.)
Porque me não deixaram sempre agreste e criança?
As minhas leituras seriam todas fora dos livros.
Havia de olhar para tudo com uma alegria tão grande, [com uma virgindade tão grande,
que até Deus sorriria contente de ter feito o Mundo

DEFESA


Defesa
Poema de Sebastião da Gama

O sol é meu e dos meninos ricos...
...
- Triste de quem não vê florir as rosas!
Triste de a quem somente foram dadas
ruas sombrias, lôbregos desvãos!

Ah!, mas não tenho culpa. Sou moreno,
sou forte, porque o sol me quer assim.
Digam ao sol, se entendem, que se esconda:
não me peçam a mim que esconda as mãos,
nem que neguem meus olhos e meus lábios
o milagre do Sol gostar de mim!

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

LOAS A NOSSA SENHORA DA ARRÁBIDA




Imagem do Círio de Nª Senhora da Arrábida
Igreja de S- Lourenço - Vila Nogueira de Azeitão

LOAS DO CÍRIO DA ARRÁBIDA
( atribuídas a Sebastião da Gama e Cantadas em alguns dos Círios que de Vila Nogueira chegaram à Arrábida )...

À Saída de Vila Nogueira

“ Vamos partir para onde
a Virgem Mãe nos espera,
sobre um altar tão florido
que parece a Primavera.

Por onde a gente passar
cheira a cravo, a rosmaninho,
que a Senhora vai à frente
p'ra nos abrir o caminho.

Falam melhor do que nós
os sinos, quando repicam,
da alegria dos que partem
da tristeza dos que ficam.

Quem foi que disse à Senhora
desta mágoa que me rala ?
- eu não gritei, não chamei,
mas veio sem eu a chamá-la.

À Chegada ao Convento

Cá vimos, Nossa Senhora
Pedir-Te, com voz sentida
que por nossa vida olhes
pois é Tua a nossa vida

Vai a gente envelhecendo,
que assim a vida o destina,
apenas Tu nunca perdes
esse Teu ar de Menina.
Tuas mãos, Virgem, são bênção
que só Tu nos sabes dar ;
uma a cair sobre a Terra
outra a cair sobre o Mar.

Nossa Senhora da Serra,
tem um ar tão bom, tão lindo,
que nem a gente percebe,
se chorais, se vais sorrindo.

Basta rezarmos baixinho
nos ouvires rezar,
o perto da nossa alma
este erguer teu altar.

À Despedida da Serra

Até p'ro ano Senhora !
Mas aqui Te prometemos
que até lá não haja um dia
em que nós Te não lembremos.

Já Te demos nossas graças
Nossa Senhora da Paz,
por tudo quanto nos deste,
pelo que ainda darás.

Falte-nos tudo Senhora
menos pão em nosso lar,
menos a voz na garganta
para sempre Te louvar.

Quantas velas acendi
quantas velas Te dirão
que há nas velas menos luz
do que há no meu coração.

à Chegada a Vila Nogueira

De pé de Nossa Senhora,
que contentes que nós vimos.
Sorriu-nos quando chegámos
beijou-nos quando partimos.

Ajoelhem, rezem todos,
mostrem a sua alegria
que a gente, p'ra quem não foi,
traz saudades de Maria.

A Senhora tinha giesta,
tinha cravos no altar,
tinha os nossos corações
que eram rosas de toucar.

Nossa Senhora é tão boa
que enquanto a gente saía
até as aves da Serra
cantavam "Avé Maria".

Se a gente souber pedir
o que a gente precisar
não há nada que a Senhora
seja capaz de negar.

Peçamos pois a Maria
que sempre seu lindo manto
nos agasalhe do frio
nos limpe os olhos de pranto

SONETO DO GUARDA-CHUVA


Soneto do Guarda-chuva
Poema de Sebastião da Gama

Ó meu cogumelo preto
minha bengala vestida...
minha espada sem bainha
com que aos moiros arremeto
.
chapéu-de-chuva, meu Anjo
que da chuva me defendes
meu aonde por as mãos
quando não sei onde pô-las
.
ó minha umbela – palavra
tão cheia de sugestões
tão musical tão aberta!
.
meu pára-raios de Poetas
minha bandeira da Paz,
minha Musa de varetas!”



NASDCI PARA SER IGNORANTE


Nasci para ser ignorante...
Poema de Sebastião da Gama

Nasci para ser ignorante
mas os parentes teimaram ...
(e dali não arrancaram)
em fazer de mim estudante.

Que remédio? Obedeci.
Há já três lustros que estudo.
Aprender, aprendi tudo,
mas tudo desaprendi.

Perdi o nome às Estrelas,
aos nossos rios e aos de fora.
Confundo fauna com flora.
Atrapalham-me as parcelas.

Mas passo dias inteiros
a ver um rio passar.
Com aves e ondas do Mar
tenho amores verdadeiros.

Rebrilha sempre uma Estrela
por sobre o meu parapeito;
pois não sou eu que me deito
sem ter falado com ela.

Conheço mais de mil flores.
Elas conhecem-me a mim.
Só não sei como em latim
as crismaram os doutores.

No entanto sou promovido,
mal haja lugar aberto,
a mestre: julgam-me esperto,
inteligente e sabido.

O pior é se um director
espreita p'la fechadura:
lá se vai licenciatura
se ouve as lições do doutor.

Lá se vai o ordenado
de tuta-e-meia por mês.
Lá fico eu de uma vez
um Poeta desempregado.

Se me não lograr o fado
porém, com tais directores,
e de rios, aves e flores
somente for vigiado,

enquanto as aulas correrem
não sentirei calafrios,
que flores, aves e rios
ignorante é que me querem.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014


Canção do Vento Norte
Poema de Sebastião da Gama

Vento Norte !,
Vento Norte !...
Não quero já, noutro berço
que o Vento Norte !
O que estilhaça os navios
e enche de pranto os rosais ;
me traz notícias de crimes
e faz tremer como vimes
os meus lábios ...
Não mais a vida pacata,
Sentadinha, sentadinha,
que não é vida nem é nada .
Que me doa, mas que eu viva !
Que importa os gritos que der,
se bem maiores os deu
minha Mãe, pra me parir ?

Vem-me embalar, Vento Norte !,
nem que me quebres o berço.
Vamos os dois por i fora
pregar partidas aos lagos.
Minhas horas descansadas,
minhas horas morrinhentas,
só vividas
no mostrador do relógio,
eu vos renego e acuso
por crime de alta traição
contra a minha mocidade.

Agora que venha o Vento
apagar vossa lembrança !
O vento Norte ...
O que desfolha os rosais
e põe barcos em frangalhos
e rasga nossos cabelos
como a bandeira de Guerra,
mas varre as nuvens
para a gente ver o Sol
e segreda a meus ouvidos
coisas de tanta verdade
que já não creio que o Vento
não seja da minha idade ...

LIBERTAÇÃO


Libertação
Poema de Sebastião da Gama

Em mim a recolhi,
a Luz ...
que ao Sol-posto baixou...
Daí
minha saudade do Céu,
aspiração de apenas ser a Luz que me inundou,
liberta
desta mancha de sombra que sou eu.



RESSURREIÇÃO




Fonte da imagem: ministeriodeusefiel.wordpress.com/
Ressurreição
Poema de Sebastião da Gama

Senhor!...
Eu bem te vejo, apesar
da escuridão!
Inda me não tocou a tua mão,
mas bem na sinto, bem na sinto em meus cabelos,
numa carícia igual a um perfume ou um perdão.

Senhor!
Eu bem te vejo, apesar
da escuridão!
Que já se abriram cinco
(ou são cinquenta?...?
ou são quinhentas?---)
Estrelinhas azuis no Céu azul
- as Tuas cinco, ou não sei quantas, feridas
lavadas pelas águas lá de Cima.

Vejo-Te ainda incerto e vago
como um desenho sumido,
mas esta é, Jesus, a última das noites.
Há já três
(não Te lembras, Senhor, das bofetadas
e dos cravos nos pés?...)
que Te pregaram numa cruz
e que morreste.

Até logo, Senhor!
(Deixa ser longa a Noite e o Logo longo,
que é de noite que eu seco os meus espinhos
e cavo, na minh´alma, o Teu jardim.
Rompa tarde a Manhã de ao fim
da Tua minha Noite derradeira.

- Não quero é que Te rasgues novamente,
quando, no terceiro Dia longe - perto
misericordiosamente,
ressuscitares em mim.)
 


A MEUS IRMÃOS


A Meus Irmãos
Poema de Sebastião da Gama

Batam-me à porta
os que andam lá por fora, à neve; ...
batam
os que tiverem frio ou sede;
os que sintam saudades de um carinho;
os desprezados;
os que há muito não vêem uma flor
e encontram só poeira no caminho;
os que não amam já nem já os ama
ninguém;
os esquecidos de como se sorri;
os que não têm Mãe...

Batam-me à porta os Desgraçados,
os que têm os dedos calejados
dos dedos ásperos da Miséria, o
s que travam desordens nas tavernas
e brincam às facadas,
os que não têm abrigo nem Amigo,
os que o Destino escarrou,
os que não foram crianças,
os que nasceram num bordel
e por quem passam todos sem olhar.

Batei à minha porta, Irmãos,
entrai,
que eu tenho Amor pra vos dar...

E se eu também bater
(que eu também choro
muitas vezes, lá por fora;
também amargo tristezas;
que eu também sou Desgraçado)...
Pois se eu bater,
vinde logo depressa abrir-me a porta;
aquecei-me no meu lume;
dai-me do pão que eu parti
e do Amor que vos dei...

Deixai-me estar entre vós
como se fosse um de vós,
que eu também sou Desgraçado...

! se eu bater
(mas é preciso que eu possa
ter força ainda nas màos),
por Deus abri a porta, meus irmãos,
como se a casa fora vossa!...



REMOINHO


Remoinho
Poema de Sebastião da Gama

Enrodilhei-me no Vento...
Vou e venho,...
vou e venho,
e o Vento sempre a rolar-me,
e agora quero agarrar-me,
lanço a mão a procurar-me,
e é só o Vento que apanho...

terça-feira, 4 de novembro de 2014

CANÇÃO DA FELICIDADE


Canção da Felicidade
Poema de Sebastião da Gama

... Pois à minha vida
nada lhe faltava. ...
Minha taça estava
toda ela cheia.

Nem fazia ideia
que pudesse haver
mais algum prazer
que aquele que eu tinha.

Pela manhãzinha
pela tarde quente,
ninguém mais contente
pela rua andava.

As mãos, se as fechava,
as mãos, se as abria,
tudo quanto havia
tudo havia nelas.

Não pedia Estrelas,
não pedia flores,
não pedia amores,
porque os tinha já.

Que de enigmas há!
Como a Vida tem
coisas que a ninguém
passam p’la cabeça!

Antes que me esqueça
deixem-me contar:
hoje fui passear,
manhãzinha ainda,

e vi a mais linda
de todas as rosas:
pétalas sedosas,
vermelhas, brilhantes...

E eu, que tinha dantes
quanto me bastava,
nada me faltava
para ser feliz,

eu, que nunca quis
mais do que me deu
o favor do Céu
e o da humana gente,

fiquei tão contente
como se essa rosa
fosse misteriosa
flor que eu desejasse;

como se andasse
à procura dela
por faltar só ela
para ser feliz..

JANELAS DE ESTREMOZ



JANELAS DE ESTREMOZ
Poema de Sebastião da Gama

Janela fechada,
cortina corrida......
Nem flor a perfuma,
nem moça a enfeita.

- : Ninguém se lhe assoma.
Janela tão triste,
nem ao Sol aberta...

Em toda a cidade
se repete a história
mil vezes; mil vezes,
se olhares a janela
ou desta ou daquela
casinha caiada,
a vês divorciada
do Sol e de tudo
que graça lhe dera.

Há vinte janelas
na casa da esquina?
- Na rua de cá
dez estão fechadas;
outras dez fechadas
na rua de lá.
Ah! tão retraídas!
Ah! tão agressivas!

Que pessoas vivas
foi que as condenaram?

Ó janelas mudas,
 pobres prisioneiras!,
 que pessoas vivas,
 por que expiação,
 vivem na prisão
 em que vos meteram?
 - sem sol que as aquente...
 sem flor que as alegre...

Janela cerrada,
 cortina descida...

Mocinha escondida
 por trás da janela
- quanto mais não vale
 a rosa encarnada
 que a rosa amarela!...

ODE A UM AMIGO MORTO


Ode a um Amigo Morto. ( Ao Manel e ao Eurico)
Poema de Sebastião da Gama

Faltava-lhe a morte
para ser completo....
A taça estava cheia.
Faltava-lhe a pétala
da rosa
para transbordar.
A taça estava cheia
de amor e de esperança
e de mocidade.
Apétala caiu.
Transbordou a taça.
Mais pobre, só o Mundo.
Completo, só ele,
que morreu sereno
como quem o sabe.
 

FÁBULA



Fábula
Poema de Sebastião da Gama

Tinham murchado as rosas no jardim .

Chegou então, pra insultar as rosas
com o brilho da sua mocidade .

VIDA


Vida!,
Poema de Sebastião da Gama

Não me venhas roubar o meu tesoiro:
não te importes que eu ria,...
que eu salte como dantes.
E se eu riscar os muros
ou quebrar algum vidro
ralha, ralha comigo, mas de manso...

(Eu tinha um bibe azul...
Tinha berlindes,
tinha bolas, cavalos, papagaios...
A minha Mãe ralhava assim como quem beija...
E quantas vezes eu, só pra ouvi-la
ralhar, parti os vidros da janela
e desenhei bonecos na parede...)

Vida!, ralha também,
ralha, se eu te fizer maldades, mas de manso,
como se fosse ainda a minha Mãe..

domingo, 2 de novembro de 2014

MANHÃ NO SADO



"Manhã no Sado",
Poema de Sebastião da Gama

Brancas, as velas
eram sonhos que o rio sonhava alto....
Meninas debruçadas em janelas,
viam-se, à flor azul das águas, as gaivotas.
E a Manhã quieta (sorrindo, linda, vinha vindo a Primavera…)
punha os pés melindrosos entre as conchas.
Derivavam jardins imponderáveis
dos seus passos de ninfa
e tremiam as conchas
de súbitas carícias.

Longe era tudo: o medo dos naufrágios,
as angústias dos homens, o desgosto,
os esgares das tragédias e comédias
de cada um, os lutos, as derrotas.
Longe a paz verdadeira das crianças
e a teimosia heróica dos que esperam.

Ali, à beira-rio,
de olhos só para o rio, de ouvidos surdos
ao que não é a música das águas,
um sossego alegórico persiste.
Nem o arfar das velas o perturba.
Nem o rumor dos seios capitosos
da Manhã, que nas águas desabrocham
e flutuam, doentes de perfume.
Nem a presença humana do Poeta
- sombra que a pouco e pouco se ilumina
e se dilui, anónima, na aragem…

Sebastião da Gama

O SEGREDO É AMAR


O segredo é amar
Poema de Sebastião da Gama

Fosse mais bela a vida e mais sincera…
Como eu lhe quero, mesmo assim!...
Tanto lhe dei de mim
que já é menos acre do que fora.

Ah! bem me parece que o Amor melhora
quanto a graça de Deus não fez bonito.
Há lá coisa mais linda que um grito
quando foi o Amor que o pôs cá fora!...

Deixa ser o meu gesto uma grinalda
Nos teus cabelos, Vida!
Deixa que o meu olhar enflore teus olhos.

Adeus, adeus teus dedos ásperos!
Adeus teu rictus doloroso!

- Vida, quem é a minha namorada