quinta-feira, 31 de julho de 2014

ANDORINHA

Andorinha
Poema de Sebastião da Gama

Tonta de Poesia ,
caiu a manhã ....
É uma andorinha morta de cansaço .

Deixem-na ficar
caída no chão.
Não façam barulho
podem acordá-la .

Se ela se levanta
mesmo assim cansada
suas asas negras
cobrem o Sol .

Deixem-nas paradas,
suas asas meigas.
Sereninhas dormem
o seu vôo morto ...

quarta-feira, 30 de julho de 2014

CABO DA BOA ESPERANÇA

Cabo da Boa Esperança
Poema de Sebastião da Gama

A vela rasgou-se em fitas.
E quando ao mais. desde o casco
até à ponta dos mastros,
o fundo do Mar que o diga .

Cá por mim, passei o cabo.
Cheguei aonde o Destino
desde sempre me chamava.
Se estou sem pinga de sangue
depois de tantos naufrágios,
se arribei são ou doente,
se tenho os ossos partidos,
é melhor não pergunte-lo .

Basta saber que cheguei
e que é de lá que vos falo .

NOCTURNO SEGUNDO

Nocturno Segundo

Nem a sombra das passadas
quanto mais o rasto delas !
( No Céu ficaram Estrelas...
mas foi das suas dedadas )

Noite ! que quando mais morta
mais é a vida que tens ,
por onde será que vens
por que estrada e por que porta ?

Por onde foi que desceste
que não deixaste sinal
e o teu corpo de vestal
nos braços nus me puseste .

( um braço tinha- no chão.
O outro rentinho ao Céu .
A Noite se recolheu
inteira neste desvão . )

Mas que perguntas te faço !
Que sem razões que te digo !
Basta que durmas comigo
no ninho do meu abraço ,

terça-feira, 29 de julho de 2014

LIÇÃO DE OUTONO



Lição de Outono
Poema de Sebastião da Gama

Que alegria cantava pelos ninhos !
Festa ? Cortejo simples de noivado ?...
Rosa brava que o Sol tivesse aberto?
Fiozinho de água incerto
na secura das terras encontrado ?
Que luxo do Outono
é que alegrava assim aquelas aves ?

Já o Sol tinha dedos de cadáver.
Chocalhinhos monótonos de ovelhas
anunciavam a Noite ... Em tintas roxas
a glória azul do Céu se diluía .
Mas o coro das aves insistia,
ignorante da hora e da estação.
Não lhes levava o Sol o que lhes dera ...

( Poetas do meu pais, tão tristes, tão doentes,
o que fazíeis vós enquanto as aves
- começara o banquete p'la manhã ...-
mas bebendo Sol e Alegria ! )

Já num aceno, a Luz se despedia .
Só o gárrulo canto não cessava .
Insistente censura, me lembrava
quantas horas perdera
da refulgência mágica do Dia ...
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AGUARELA

Aguarela
Poema de Sebastião da Gama

Virgem de tudo, brinca
ao Sol uma menina....
Tem ainda no cirpo
embalos de berço.
Tem ainda nos lábios
sabor
do leite da Mãe .

A menina brinca,
virgem de tudo.
Ao alto, o Sol doira
seus cabelos pretos.
E a menina pensa
( não pensa que sente),
sente que são loiros
seus cabelos pretos .

segunda-feira, 28 de julho de 2014

BRINCADEIRA

Brincadeira
Poema de Sebastião da Gama

Ando a correr atrás do Outro
como fazem...
dois meninos brincando num jardim ...

... até me achar de repente,
sem saber como, o Outro lá da frente,
que vai fugindo de mim

PARA QUE TU NÃO CHORES

Para que tu não chores
Poema de Sebastião da Gama

O príncipe gentil que vislumbraste
nos teus sonhos rosados de Menina,...
e de gestor-perfume cristalina
voz que te mate a sede e nunca baste

( porque a sede que tinhas prolongaste
para sempre beber a voz divina ),
o príncipe gentil da tua sina
sou eu, Amor, tu próprio mo chamaste .

Mas se eu não fôr tão belo como creste ?
Se esfacelar teu sonho, porque eu ando
longe de ser o Puro a quem te deste ?

- Vamos lá procurar o que não veio
( eu bem sei que ele veio ) e, quando em quando,
deixa que eu chore à sombra do teu seio ..

domingo, 27 de julho de 2014

ALEGRIA ( 2 )

Alegria ( 2 )
Poema de Sebastião da Gama

Nas capelas todas
os sinos todos...
toquem ...

Que digam minha Alegria
( eu não preciso dizê-la ;
ai ! a mim , sinos ,
basta-me vivê-la )

Os sinos todos
toquem ...
E rosas silvestres nasçam
onde ninguém as sonhasse ,,,
E o rouxinol se esqueça ,
cantando minha Alegria ,
do que o levou a cantar ...
E os sinos todos
toquem ...

e que eu por fim,
ao som dos sinos
cante,
mas não perceba que o faço
mandado
por minha clara Alegria.
Que julgue que vou cantando
as rosas bravas nascidas
e os rouxinóis enlevados
e os sinos todos tocando ...

CORTINAS

CORTINAS
Poema de Sebastião da Gama

Que a Morte, quando vier,
não venha matar um morto....
Quero morrer em pujança.
Quero que todos lamentem
a ceifa de uma esperança

- não sendo eu já de mim
nem de meu sonho também,
mas sendo um sonho já deles ;
já tão deles que hão-de crer
que o levantaram , tão seu
que, ao secar, lhes vai doer
e vai deixar
pedaços vivos nas mãos
( cristais quebrados rasgando-as ),
saudades vivas no olhar .

Quero morrer com os dedos
a quatro dedos do Céu,
pra que depois pensem que eu
só por morrer não cheguei,
só não cheguei por tração
( pra que não saibam que a Morte
foi a minha salvação )

Ai medo antigo que eu tenho
e só a mim, que entendo,
posso contar à vontade
não de o Céu não ser verdade
( meu sonho astral é tão grande
que, nem que fosse vazio,
meu sonho havia de encher
de céu
esse vazio sem fundo )
mas de se as asas partirem
antes do pano descido,
à vista de todo o mundo..

Como há-de ser bom morrer ,
suspenso lá nas alturas ! ...
Não vir cair na calçada,
de cabeça esmigalhada,
com lama, em sangue lavada,
nas mãos torcidas mas puras ! ...

Como há-de ser bom, não ser
preciso o Anjo descer
a este mundo
pra me levar ao meu fim !...
- Sem Se Deus bulir do Trono,
estende-me Sua Mão
e ao pé d'Ele logo estou :
que fique logo transporta
aquela mão de Infinito
que me faltou ;
que me faltou, mas baldou,
o medo antigo que eu grito .

Por isso, que a Morte seja
a força
que me não deixe cair
e se confunda
na mesma que me subiu.
Que eu morre em Glória prós meus
pobres irmãos , enlevados
em barata pasmaceira .
Que, quanto à Glória que eu quero
minha Glória verdadeira,
isso é comigo e com Deus ...

...e com Alguém
que é bem de mim, como eu sou,
e vive pra me encontrar,
porque os caminhos são tais
- pronde vem e pronde vou -
que, mesmo assim desiguais,
hão-de ter um certo sítio
em que passem de um só

sábado, 26 de julho de 2014

TEIMOSIA

Teimosia
Poema de Sebastião da Gama
...
Não seu renunciar Literatura
quando mostrei, Senhor !, de sacrifício.
Minha ânsia de Luz, é já um vício,
mania velha o meu sonhar Altura .

Tudo comédia vil, tudo impostura ...
Falei em desistir, por artifício :
foi para Te comover pôr-Te propício
minha humildade cheia de bravura .

Eu - não mais reclamar minha Alegria ? ...
Nem mesmo assim perdido pela estrada ,
que sou grande ou pequeno em demasia .

Renuncia-me Tu, Deus !, se te apraz.
Deixa de ser a Fome que me faz
pedir, teimoso, a bússola roubada .

VERSOS QUASE TRISTES

Versos quase tristes
Poema de Sebastião da Gama

Trago no sangue o mistério
daquele resto de estrada ...
que não andei ...

E era talvez ali
que eu ia ser feliz ;
ali
que viriam as Fadas pra contar-me
os contos lindos de Princesas
e de Palácio
e de Florestas
que ficaram por contar ,
ali que havia de abrir-se
o tal jardim
com flores que nunca morrem
ou se morrem. há-de ser
na pujança da frescura ,
por medo de envelhecer ...

Mas não passei além daquela curva ...
O meu alento
já dobrou o joelho e desistiu .
E eu sei tão bem que há Glória que me chama
e que tudo que digo aqui, ou faço,
é só arremedar , adivinhar,
o que, para lá da curva que não passo,
havia de fazer ou de dizer "
E eu sei tão bem
que sem tomar nas mãos a Glória apetecida
me não contento ! ...

- Porque é que tu és só pressentimento,
minha Vida ?

PRESENÇA

Presença
Poema de Sebastião da Gama

Ó Voz,
que me suspendes tendo como à beira...
de um menino que dorme,
ó, infinita em Deus, finita em mim, minha Chamada ,
porque te não deténs ao menos o bastante
pra te eu caldear no meu assentimento
até seres Resposta ? ...

Porque te não deténs ó Voz, ó meu Prazer,
flagício por que choro, e beijo a terra, e amo ...

... porque te não deténs até eu não saber
se respondo ou se chamo ! ...

sexta-feira, 25 de julho de 2014

APARECES TÃO POUCO

Apareces tão pouco
Poema de Sebastião da Gama

Apareces tão pouco nos meus sonhos
que quando os sonho chego a ter saudades tuas .

E entretanto tu és a mesmo ,continuas
a por cravos e rosas no meu retrato ,
a idealizar uma casa ao rés das ondas
( mal pensas nela riem nos teus ouvidos nossos filhos )
e a fazer da Vida precisamente a ideia
que fizeste de mim desde a primeira hora .

Era assim, boa e simples , que antigamente chegavas aos meus sonhos ,
E como eu, pela minha , calculava a tua pressa,
fazia-te chegar rosada e ofegante, exausta de correr
da tua porta à porta da minha fantasia .

O tempo era o das flores ...
E tu colheras uma no caminho e vinhas dá-la
ao maior e melhor de todos os .poetas .
Eu fingia fingir acreditar no que de mim julgavas ,
e era já acordado que beijava as tuas mãos,
pois desceras comigo do sonho e à minha volta
o estremecer alegre e o perfume suavíssimo do ar
e um silêncio igualzinho ao que se faz quando  te calas 
eram tua presença verdadeira .

Porque não vens agora ?
Todo o tempo é o tempo das flores para os poetas ...
E tu pensas de mim o que pensaste sempre
e bordas nos lenços as nossas iniciais.
Por que não vens ?
Chegarias ainda rosada e ofegante.
Não virias molhar de lágrimas meus sonhos ,
porque não sabes nada ... nem sequer
que até esqueci a cor e o corte do vestido
que tu entraste (há quantas Primaveras ? )
no último sonho em que sonhei contigo ...

A COMPANHEIRA

A Companheira
Poema de Sebastião da Gama

Não te busquei, não te pedi : vieste.
E desde que eu nasci houve mil coisas...
que os meus olhos se dram como igual
simplicidade : o Sol, a manhã de hoje,
essa flor que é tão grácil que a não quero,
o milagre das fontes pelo Estio .
Vieste ! ( o Sol veio também, a flor,
a manhã de hoje, as águas ... ). Alegria,
mais calada alegria, mas serena,
entendimento puro, natural
encontro, natural como a chegada
do Sol, da flor, das águas, da manhã,
de ti, que eu não buscara nem pedira.

E o Amor ? E o Amor ? E o Amor ?
- : Vieste.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

MARÉ ALTA ( Versão integral )

Maré Alta
Poema de Sebastião da Gama
( Versão integral )

Não, a lágrima não veio....
nem mesmo fazia falta.
Pra que quebrar este enleio ?
Transbordar a maré alta,
para quê ?

- Vide Deus, que O estou vivendo
nestes lábios com que choro
e nos olhos com que eu olho.
Quantas luzes se acenderam,
não se dentro de mim ,
não sei se à volta de mim !
Com as minhas mãos, erguidas,
são naves de catedral
e são preces e são velas
ardendo por sua Glória !

Não me talhes outra sorte,
meu Deus !

Se é isto morte, que eu morra
( que eu continue morrendo ... )
Se é isto vida, que eu viva.
Que fique sempre cativa
minh'alma , se é cativeiro
esta alegria,

Perdidas todas as vozes
que não sejam pra louvar-Te ...
Perdidos todos os gestos...
Perdidos todos os dias
em que eu Te não abençoe ...
A mim, Senhor ! que não quero
senão querer o que queiras,
porque me fazes contar
na minha vida passada
tanta fala em tão falada
e tanto dia perdido
e tanto gesto perdido ? ...

Sempre ao pé de mim, Senhor ! ,
e quase sempre calado,
como se eu não fosse um homem
tão miserável, tão homem
que preciso de Te ouvir
e Te sentir
pra saber que estás comigo ...

( Ai horas só de vileza
de descrença e azedume; ...)

Ah! , mas que tudo se esqueça
na Luz clara que me bebe! ...
Sejam, minhas mãos, altares !
Meus olhos, portas abertas
sobre Deus !
E, meus lábios comovidos,
beijos do Senhor, marcados
na minha carne feliz !

Meu Deus !
se tudo, e até meus pecados
e minhas dúvidas, tudo
quanto bem ou mal vivi,
foi a paga desta hora,
mas não farei para agora
me não deixares sem To ?

Toma a minh'alma ... Desfolha-a
como se fosse uma rosa ...
Ou rasga-a
como a papel que não presta ...
Faz dela quanto quiseres
mas que perceba que és Tu,
quem a esfolha, ou torce, ou rasga ...

Faz dela quanto quiseres,
mas tudo à luz desta Luz
que é o olhar dos meus olhos
e a fala que eu Te falo ...

Ai ! , a minh?alma, has-de vê-la
sempre mais bela,
mais grata para conTigo
a cada golpe se erguendo,
como se fosse nascendo
a cada novo castigo ! ...
 

MORDAÇA



Mordaça
Poema de Sebastião da Gama

 Puseram-lhe na boca uma mordaça…

Mas o Poeta era Poeta...
E tinha que falar.

Fez um esforço enorme,
puxou a voz como quem golfa sangue
e a mordaça soltou-se-lhe da boca.

Porém, não era já mordaça:

Agora,
era um poema a queimar
os ouvidos das turbas inimigas
que, na praça,
o tinham querido calar

POEMA SEM TÍTULO

Poema sem título
De de Sebastião da Gama

Que eu as diga ou não diga,
as palavras que digo...
vão sempre ter contigo,
minha Amiga !

Estavas na varanda
e era em mim que pensavas .
Passaram as palavras
que os meus lábios te mandam .

e logo nesse instante
a varanda floriu
e um pardal que te viu
chamou-te minha Amante .

Tinhas flores nos cabelos.
Tinhas as mãos doridas
de apertarem as minhas
em pensamentos apenas .

Os teus olhos dançavam
ao som da minha voz.
De pressentir-me longe
teus lábios se pintavam .

e a tua ternura
fingia-me tão perto
que o pardal indiscreto
adivinhava tudo ...

quarta-feira, 23 de julho de 2014

OS GRILOS

Os Grilos
Poema de Sebastião da Gama

Quem os ouvir, os grilos
que trilam trilam na escuridão....
há-de julgar que os grilos
têm razão .

Enchem a Noite de trilos.
nem sei que absurda causa os leva
a serem mais presentes e reais
do que o perfume da esteva .

Cantam. De quanto é bom me alheiam.
Não há Estrelas, nem rouxinóis , nem nada :
há eles só, riscando a Noite
com sua voz encarnada .

Que é das Fadas que Vêm com a Noite ?
Que é dos sonhos que a gente
sonha, mesmo acordados,
só porque a Noite nos pressente ?

Que é dos versos nascidos
quando as brisas da Noite nos embalam ?

( Zanga-se o Poeta, à noite, com os grilos ..

Mas eles não se ralam ) .

terça-feira, 22 de julho de 2014

ÁRVORES NUAS

Árvores Nuas
Poema de Sebastião da Gama

Quando as mãos carinhosas de outro sol
seu corpo agreste enfeitam novamente,...
que será já dos ventos que as despiram ?

Pobres ventos sem alma que as despiram !
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O POETA ( 1 )

O Poeta ( 1 )
Poema de Sebastião da Gama

Era nas suas mãos que terminavam
as coisas infinitas e as finitas.
Por isso as suas mãos eram abismos
onde se perdia o pensamento .

O POETA ( 2 )

O Poeta ( 2 )
Poema de Sebastião da Gama

Tudo ganhou sentido num momento ...
Água mansa com choupos refletidos,...
teu olhar descansava no do Poeta ;
e a poesia das coisas sem Poesia,
que no olhar do Poeta dormitava,
de súbito nas coisas acordava.
- tao natura, tão íntima, tão própria,
como se fora delas que nascera ...
 

NASCI PARA SER IGNORANTE

Nasci para ser ignorante
Poema de Sebastião da Gama

Nasci para ser ignorante.
Mas os parentes teimaram...
( e dali não arrancaram )
em fazer de mim estudante .

Que remédio ? Obedeci .
Há já três lustre que estudo.
Aprender, aprendi tudo,
mas tudo desaprendi .

Perdi o nome às Estrelas,
aos nossos rios e aos de fora.
Confundo fauna com flora.
Atrapalham-me as parcelas .

Mas passo dias inteiros
a ver um rio passar.
Com aves e ondas do Mar .
tenho amores verdadeiros .

Rebrilha sempre uma Estrela
por sobre o meu parapeito ;
pois não sou eu que me deito
sem ter falado com ela .

Conheço mais de mil flores.
Elas conhecem-me a mim .
Só não sei como em latim
as crismaram os doutores.

No entanto sou promovido,
mal haja lugar aberto,
a mestre : julgam-me esperto,
inteligente e sabido.
O pior é se um director

espreita pla fechadura :
lá se vai a licenciatura
se houve as lições do doutor .

Lá se vai o ordenado
de trinta e meia por mês.
Lá fico eu de uma vez
um Poeta desempregado.

Se não me lograr o fado,
porém, com tais directores,
e de rios, aves e flores
somente for vigiado .

enquanto as aulas correrem
não sentirei calafrios,
que flora , aves e rios,
ignorante é que me querem .

segunda-feira, 21 de julho de 2014

POEMA ILUSTRADO « CANÇÃO INOCENTE »


POEMA ILUSTRADO « ELEGIA SEGUNDA »

POEMA ILUSTRADO « A B C »

POEMA ILUSTRADO - « DESENHO »


MUSEU SEBASTIÃO DA GAMA - Vila Nogueira de Azeitão ( 1 )


MUSEU SEBASTIÃO DA GAMA - Vila Nogueira de Azeitão ( 2 )


MUSEU SEBASTIÃO DA GAMA - Vila Nogueira de Azeitão ( 3 )


MUSEU SEBASTIÃO DA GAMA - Vila Nogueira de Azeitão ( 4 )


MUSEU SEBASTIÃO DA GAMA - Vila Nogueira de Azeitão ( 5 )


ELEGIA PRIMEIRA


Elegia Primeira
Poema de Sebastião da Gama

Tudo - p'ra ver o Tempo como era
antes de o deturparem meses, dias ......
O Tempo sem parcelas nem limites ...
Água virgem - ignota, insuspeita,
sua Nascente , e a foz, e o leito, e as margens ...
O puro Tempo - e o Homem , sempre jovem. a refletir-se, jovem, na corrente ...
Tudo - p´ra ver o tempo como era
quando o Tempo era o ar que enchia o Mundo ...
Quando não acabava ... Quando o Homem
não sabia de nomes nem de números ...
E não era impaciente - era feliz
( Era feliz ... Era feliz ... Feliz )
 

domingo, 20 de julho de 2014

A UM CRUCIFIXO

A Um Crucifixo
Poema de Sebastião da Gama
I
Abençoada a morte que sofreste ...

Mil vezes santo, Jesus,
o peso da Tua Cruz
e santa a esponja de fel
que Te chegaram aos lábios ...
E os pregos que Te pregaram
as carnes ...
Ah !, que eu bendiga todos os insultos,
todas as troças e todas
as pedradas ...

Como saber de Deus e amá-Lo , sem ter visto
esse olhar de piedade e de perdão
por tudo que Te fizeram ?

II

Em que sítio, em que tempo,
tiveeu assim um Irmão
que olhava assim como Tu ?

Mas em que longe, em que tão longe dia
que, se não fosse agora o Teu olhar
a despertar
minha memória adormecida,
nunca mais me lembraria
de que tivera um Irmão ?

- Abençoada a vida,
abençoada a morte que sofreste ...

O MESSIAS



O Messias
Poema de Sebastião da Gama

... Muito pior, muito pior,
é eu gritar, berrar, enrouquecer,...
no Caminho por onde vou contigo,
e não ouvir, às vezes, uma só
dessas palavras de Verdade
que me digo ...

É eu levar meus sonho e meus passos,
pelos caminhos deles. lindos mas fingidos,
por culpas de meus ouvidos,
não de mim, que me ensinaram
a dar passos bem medidos
por caminhos não trilhados ...

Assim,
lá grito, e berro, e barafusto, rouco,
e sem salvar nenhum dos outros
nem me salvar a mim ...
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sábado, 19 de julho de 2014

SERRA DE UM POETA - ARRÁBIDA












PERFEIÇÃO





Perfeição
Poema de Sebastião da Gama

Quendo Me vi perfeito,
beijei-Me,...
agradecido e comovido ...
Ora o tal beijo acordou-me,
gritou alto p'lo meu nome,
a mostrar que eu era ainda
o mesmo
pobre Zé de Carne e Vício.

Como se fosse possível
l estar-Lhe eu presente a Ele,
a Ele, o ponto final
da linha recta de mim!...

- Tão verdadeiro e perfeito,
tão sentindo-Se o direito
de ser ...
e de não ter princípio nem ter fim,
que Se não pode lembrar
de perguntar
se foi toda a vida assim ...

sexta-feira, 18 de julho de 2014

CAMINHO



Caminho
Poema de Sebastião da Gama

Minhas carnes, gulosas de martírio,
os golpes de meu Anjo as retalharam ;...
Duas feridas ignóbeis se escancaram
onde o Anjo cevou o seu Delírio .

Mas são mais perfumadas do que um lírio ...
E os meus lábios sedentos as seguram
e elas e o seu sangue já me acharam
a voz, qua a Deus se eleva como um círio.

Ora o sangue esgotou-se e a voz morreu.
Pobres golpes a medo ! ...

- Vá ! Tomar
meu corpo, ó Anjo !, em chagas de onde , quente,
jorre o meu sangue em rio para o Céu !

Quero é nele beber 'té me afogar,
e arrastar-me , afogado , na corrente .
 

A GENTE OS DOIS

A gente os Dois
Poema de Sebastião da Gama

Quem faz os versos é Ele ...
O que se não incomodou...
em perguntar se o livro ficou lá,
na livraria
sem ninguém o ir comprar

Eu sou somente um qualquer
que, se tem dinheiro, compra
os livros que o Outro escreve,
pra Lê-los nos intervalos
do bafio dos estudos.
Um que, já farto de ler
sem perceber,
deitas o livro pela porta
e diz, estúpido e baço :
« Ai meus ricos dez escudos ... »

.................................................

Mas o Outro não se importa .
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quinta-feira, 17 de julho de 2014

EM QUE SE FALA DO MENINO JESUS

Em que se fala do Menino Jesus
Poema de Sebastião da Gama

Fiz a maldade e olhei Jesus.Ele baixou os olhos e corou
e toda a gente julgou...
que quem fez a maldade foi Jesus .

E todos Lhe perdoaram ...

- Obrigado, Menino ! Mas agora
tira os olhos do bebé e vem brincar,
que eu prometo pra não Te ver corar,
já não fazer das minhas .
Anda jogar ao pé das flores, no chão,
comigo às cinco pedrinhas ...
anda jogar pra esqueceres
o preço do meu perdão ...

VERSOS DA MENINA MORTA

Versos da Menina Morta
Poema de Sebastião da Gama

Entre as flores, sorri ...
Já não se vê , as flores....
Já não se pode colher.
Já não as sente, sequer,
a cobrirem o seu vestido branco
mas sorri .

Não era Mãe, não era ...
Aqueles passos leves, leves,
aquelas mãos suavíssimas poisadas
na testa da menina,
eram da Morte , eram da Morte ...

Não era a Mãe, não era ...
(« Ai dorme ... dorme » )
Não era a Mãe, não era ...
Mas a menina doente, que não via
nem ouvia
senão p'lo coração,
julgou que fosse a Mãe
que entrava assim de manso
no seu quarto branco ...
E a menina sorriu ...

( Eram da Morte os passos ...
Eram da Morte, eram da Morte as mãos
que lhe poisavam, meigas, sobre a testa ...
« Ai dorme ... dorme » )

E a Menina, sorrindo adormeceu ...

Dorme , sorrindo, entre açucenas
que sorriem também
e vão também adormecer sorrindo ...

quarta-feira, 16 de julho de 2014

SWEET OPHELIA

Sweet Ophelia
Poema de Sebastião da Gama

Entre as pedrinhas dormes, flor absorta,
ó pobre, doce Ofélia ! Mas quem sabe ?...
- : Sobre a dor e a loucura , sobre a morte,
intransparente, mudas , esquecidas ,
correm p'ra sempre , Ofélia doce, as águas .

E o teu sono é alga impresumível ...

LENDA DAS SETE CHAVES

Lenda das Sete Chaves
Poema de Sebastião da Gama

Fechaste o Céu a sete chaves ...
...
E que me importa não acha-las,
as sete chaves escondidas ?
A mim me basta procura-las.
Já sou feliz só de saber
que ando à procura
das sete chaves .

Mas Tu, Senhor, aborrecido,
mas Tu que só Tu has-de sentir,
sempre teimando em não abrir
e em recusar
a nossa humana companhia.
Farto das almas velhas-relhas
sem novidades pra contar !
Que estranha a Tua teimosia ! ...

Ah!, já de pasmo Te finaras
se volta e meia não viesses,
mas disfarçado e às fugidas,
pra me ajudares a procurar
as sete chaves escondidas .

MOÇA JEITOSA DO MINHO

Moça Jeitosa do Minho
Poema de Sebastião da Gama

Viva a poesia toda ingénua
de eu ir sentado ao pé de ti,...
moça jeitosa do Minho !
Levas o fio , as arrecadas .
Levas um saco de retalhos
sobre as pernas.
Vamos os dois de camioneta,
vamos a Braga, Vamos a Braga .

Quando passámos pelas almas
todos tiraram seu chapéu .
( tu nem rezaste, só a pensar
que ias a Braga ... )
Que as boas almas do caminho,
que elas, mocinha ! , me castiguem
se é que eu te miro
com má tenção .

Vamos a Braga ! , vamos a Braga !
Tu vais comprar um lenço novo ,
olhar as montras com enlevo.
Ah! , que as alminhas me confundam,
se o meu enlevo, moça do Minho !,
é diferente do teu enlevo
ao pé das montras da cidade .

E a camioneta roda que roda ...
Tu vais distante : já vais em Braga,
olhando as montras, mercando o lenço.
Se te voltasses, vias meus olhos
tão enlevados,
vias meus lábios, cheios de versos ,
tão enlevados,
que baixarias teus olhos castos .

Não cores moça !
Não foi um beijo que eu te pedi -
Nem os meus versos são mãos de fogo
que te desejam.
São a poesia toda pura
de eu ir sentado ao pé de ti.
Quase que rezam ...
Podia lê-los o Senhor Abade ...

terça-feira, 15 de julho de 2014

NAUFRÁGIO

Naufrágio
Poema de Sebastião da Gama

Não era por mal ...
A onde que vinha...
não vinha por mal.

Mas veio, mas veio ...
E logo a barquinha
partiu pelo meio.

Nem homens, nem velas.
- Quanto a bordo ia,
com fé abalara,
morreu já sem ela.

Mas, se a onda veio,
não veio por mal :
era irmã daquela
que chegou à praia,
que embala barquinhos,
de meninos pobres.

Os meninos brincam.
Navegam em barcos
feitos de cortiça,
feitos de jornal.
Quase à mesma hora,
longe, os pais naufragaram
sem nenhuma ajuda .

Mas não é por mal ...

HOSPITAL

Hospital
Poema de Sebastião da Gama

Quando vem alguém
não há hospital....
Há dores, há livros,
notícias da rua,
conforto de amigos .

Que breves minutos !
Já todos se vão .
Já doem as dores .
Já desce a tristeza
de estarem sozinhos ,

Mais tristes que os outros,
mais só, lá no fundo,
há um que por pouco
não chora de mágoa.
- Não veio ninguém
lembra-lhe que há vida .

- a flor esquecida,
morrendo ... , morrendo ...
num jarro sem água !
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segunda-feira, 14 de julho de 2014

ÁGUAS LÍMPIDAS COMO A ALMA DO POETA





OS CAVALOS

Os Cavalos
Poema de Sebastião da Gama

Dantes eram livres.
Agora, aperreados,...
pastam pelos prados
como por favor .

Já lhes não dão nada ,
que não seja dado.
Mas nem se apercebem ...
Feliz a ignorância
que lhes adoça o pasto !

domingo, 13 de julho de 2014

O MAR DE UM POETA - PORTINHO DA ARRÁBIDA


SERRA DE UM POETA ( SERRA-MÃE ) ARRÁBIDA



A NOSSA CASA

A nossa Casa
Poema de Sebastião da Gama

A luz acesa
( petróleo débil)...
e tu inquieta, feliz , à minha espera.
Cismam livros de versos sobre a mesa.
Sonolentos, os cravos da varanda
cabeceiam sobre os vidros.

Ando lá fora.
( Lá fora, a ventania,
a noite, o frio dos astros,
a Poesia decerto... )

À luz débil, insistes no bordado.
Os nossos filhos dormem
( levantaste-te agora para vê-los ... )

Irónica a Poesia
sabe que ando lá fora a procura-la ,
indiferente ao vento e à noite fria.

ACEITAÇÃO

Aceitação
Poema de Sebastião da Gama

Aqueles dons, merecidos ou não,
vinham do Céu.....
Por isso eu os aceitei ...

E não pedi , sobre esses dons, nem peço,
qualquer explicação .
E só por isso
merecidos ou não já os mereço .

MELODIA VAGA

Melodia vaga
Poema de Sebastião da Gama

Voz do Crepúsculo suave
de onde me chamas ?...

Batem-me à porta, levezinho ...
( Feita se Cor que se enternece ?
Feita de flébeis meigas brisas ? )

Se desço as pálpebras , melhor
percebo o vago apelo teu
( ... que vem da terra ?
... que vem do Céu ? ) .
Oiço que chamas, fecho os olhos.
Chamas e como que me sinto
em brandas sedas embalado .
Não sei para onde vou levado
nem de onde chamas ...
Será a Morte ?

Se fosse a Morte,
que linda morte ela me dava ! ...
Baixava as pálpebras , sorria ...
Deixava as sedas afagarem
meu corpo jovem ...
E assim. sem lágrimas , sem velas ,
e sem caixão, sem flores, sem cruz,
só eu sabia que morria,
mas vagamente, meigamente
qual uma seda a destingir-se
em uma síncope de Luz ...

CRISTO

Cristo
Poema de Sebastião da Gama

À minha cabeceira o Cristo morre
de puro dó. Silenciosamente,...
da cabeça, caída para a frente
um fio de sangue, ainda vivo, escorre.

Puseram-n'O ali como um remorso.
Não quiseram matá-Lo de uma vez,
pra m'O porem ali como um remorso.
Tem os olhos abertos. Tristes ... tristes ...
E a Sua boca quase que me fala,
como quem repreende meigamente .

Quando me vou deitar, já nem O olho.
Apago a minha vela bruscamente,
pra não ver os Seus olhos que me doem
como um remorso antigo .

Por que não ficou morto no Calvário,
apodrecendo aos Astros indiferentes?
Por que veio acabar para o meu quarto,
com estes olhos suaves que me acusam,
com estes lábios tristes que me pedem
que O não deixe morrer tão sem-razão ?

Tem quase dois mil anos o meu quarto.
E em mais de mil das noites destes anos
eu apaguei a vela pra não ver
a agonia do Cristo, que me acusa.

Mas Ele rasga a escuridão da Noite.
Mas Ele rasga o sono em que me oculto
e vem, solto da cruz a que O prendi,
continuar, no fundo da minh'alma .
Seu estertor .
Seus olhos brilham mais , na escuridão ...
Pra de todo morrer ,
como que espera apenas o segundo
de eu Lhe pedir perdão.

PECADO

Pecado
Poema de Sebastião da Gama

Horas em que o Diabo manda mais ...
Mas os lábios da Noite não se riram,...
desdenhosos, de mim.

Nem houve, nos seus olhos,
a mínima censura.

Receoso ergui os olhos, mal ousando
olhar de frente o azul imaculado
dos seus .

E ela sorriu ...
Puríssima, na sua
virgindade fecundada
(abençoada, Noite !,
a gravidez perene de seu ventre... ),
puríssima, serena de inocência,
teve um sorriso claro para mim.

Como se nada vira ...

Antes assim.
Minha só, a miséria dessa hora
nem lhe manchou a orla do vestido.

Ah! , fosse meu também
seu ar puríssimo , sereno de inocência ...

CHEIRO A MAR

Cheiro a Mar
Poema de Sebastião da Gama

Este cheiro do Mar é um convite ...
...
Pobres Vascos da Gama , que deitavam
a sorte ao Mar , em cima de uma prancha,
somente porque as índias convidavam !

BACO

Baco
Poema de Sebastião da Gama

Andava por ali o deus das Uvas.
Por trás de cada cepa se ocultava....
Tinha os pés disfarçados em raízes
que prendiam a terra virilmente .
Tinha os olhos nos cachos refletidos.
E a firmeza das parras acusava
que escondiam seu sexo omnipotente .

ETERNIDADE

Eternidade
Poema de Sebastião da Gama

Ai ó presença de Mim,
tão raras e tão distantes !...
Ai minhas longas ausências,
durante as quais só sou isto :
um homenzinho terreno,
tão comedido e pequeno
que até duvido se Existo.

Mas, sempre que me despede
o que eu sou de o que eu não sou,
me deixa nas mãos , marcadas,
ígneas profundas dedadas.
Por isso sei que é Verdade
e, se a descrença me toca,
beijo as dedadas nas mãos
até me arder toda a boca .

Ai meu Amor, que juraste,
ser só do Outro que encubro,
e tão alto te escondeste
que só nas visitas d'Este,
p'los seus olhos , te descubro !
-
Esses momentos de Mim,
tão raros e tão diamantes,
esses momentos-distantes,
é minha Glória e meu Fim,
a que não posso escapar,
uni-los em um colar
para o teu colo de garça .

Minhas mãos e tuas mãos,
que se fogem
dês que a Carne me prendeu
quando o colar for completo
serão fecho do colar ....
... na nossa Noite, Amor ! contada
de tanta Luz, tanta Estrela,
que inda Deus não acendeu
os Astros todos pra Ela.

ELEGIA DESTA MANHÃ

Elegia desta manhã
Poema de Sebastião da Gama

Eu sei de virgens
que só por mim foram virgens...
e que morreram assim ;
Eu sei de rosas viçosas
que viram seu viço inútil,
porque esperaram por mim
sem que eu as fosse colher ;
sei de caminhos
aonde a erva nasceu,
nos sítios em que deviam
deixar seu rasto meus passos
( e os caminhos eram claros
como rios ... ) ;
sei de palácios
onde o lume se apagou
e o musgo cresceu nos muros,
a aonde as almas das salas,
que ansiavam minha vinda
como princesas,
emurcheceram em pó ...

Não posso ser feliz ! ...
Não posso ser feliz ! ...
Mais nítida
que qualquer minha alegria.
há-de ser sempre a dor
de me lembrar
de as coisas que foram minhas
e foram lindas
e nunca as viram meus olhos ;
a dor
que é afinal essa mesma
que sentia cada uma,
quando esperava por mim
já sem esperança nenhuma .

Não posso ser feliz ! ...
Não posso porque não sei
de que serviu a beleza,
para onde foi a beleza
das coisas que já não são
e morreram de tristeza
de serem belas em vão ...

EXCESSO

Excesso
Poema de Sebastião da Gama

Agora, que estou
de Poesia todo embriagado,...
agora, que todo doido e em convulsões
como se envenenado,
não quero mais que o teu sono ...

Compreendes , Amor ? ...
Quero deitar-me ao teu lado,
e que o meu corpo fique ali como um penedo
a que a minh'alma se me ausente e, unida à tua
não sendo já senão a tua,
durma teu sono de pomba,
o teu sono de pomba, cor-de-rosa,
e não os meus pesadelos ...

Compreendes, Amor ? ...
Dormir, não meus, mas teus soninhos mansos
em que há meiguices de fadas
e sorrisos de crianças
que são como se Deus nos perdoasse ...
Porque eu não posso, Amor,
suportar
o veneno que Deus ( ou o Diabo )
misturou no meu vinho ...

Que bom
que me seria agora ser
não eu, o Lua, o pelo Raio atravessado,
mas tu, ou qualquer outra virgem no seu quarto
sonhando com o Príncipe Encantado ! ...

MINUTO

Minuto
Poema de Sebastião da Gama

Ai como tu foste linda
naquele breve minuto ! ......
Ninguém o viu senão eu ...
Nem mesmo tu, que hás-de ainda,
com um sorriso, troçar
do que digo nestes versos.

Bem sei que tu és bonita ...
Mas olha :
se eu algum dia passar,
sem dizer adeus, por ti,
não julgues que foi por mal :
é que não te conheci-
-- pra mim só é verdadeira,
só me lembra sempre, a linda
que foste
naquele minuto breve ...

ITINERÁRIO

Itinerário
Poema de Sebastião da Gama

Meu caminho é por mim fora,
até chegar ao fim de mim...
a encontrar-me com Deus ...

Mas lá no fim
eu vou sentir-me tão outro.
tão igual
ao Senhor Deus que ali mora,
que hei-de ficar convencido
de que afinal
só Tu, Senhor, lá estás
e que eu fiquei para trás,
de cansado ou de perdido
no meu caminho comprido .

É só por mim é que eu vou
e as bermas do meu caminho,
são as passadas que dou .

E não me digam que não,
que eu não me importo de ir só ;
minha Esperança, na minha
voz comovida espelhada,
sabe encher a solidão
das curvas mudas da estrada .

HORA VERMELHA

Hora Vermelha
Poema de Sebastião da Gama

Por que vieste, pensamento?
Já me bastava o Mar violento,...
Já me bastava o Sol que ardia…
P’los meus sentidos escorria
não sei lá bem que seiva forte
que a carne toda me deixava
qual uma flor ou uma lava
num riso aberto contra a Morte.

Já me bastava tudo isto.
Mas tu vieste, pensamento,
e vieste duro, turbulento.
Vieste com formas e com sangue:
erectos seios de mulher,
as carnes róseas como frutos.

Boca rasgada num pedido
a que se quer e se não quer
dizer que não.
Os braços longos estendidos.
A mão em concha sobre o sexo
que nem a Vénus de Camões.

Aí!, pensamento,
deixa-me a calma da Poesia!
Aqui na praia só com ela,
virgem castíssima, sincera!…
Sua mão branca saberia
chamar cordeiro ao Mar violento,
Pôr meigo, meigo, o Sol que ardia.
Mas tu vieste, pensamento.
Tua nudez, que me obsidia,
logo, subtil, encheu de alento
velhos desejos recalcados,
beijos mordidos
antes de os ver a luz do Dia.

Vai-te depressa, pensamento!
Deixa-me a calma da Poesia.
Fique em minh’alma o só perfume
da cerca alegre de um convento.

Os meus sentidos embalados
numa suave melodia.
(Ah!, não nos quero desgrenhados
como quem volta de uma orgia).

E então meus lábios mais serenos
do que se orassem sobre um berço,
sorrindo à Vida,
sorrindo à Morte.
Ah!, não nos quero assim grosseiros,
ébrios, torcidos,
como depois de um vinho forte.

- LUZ -

Luz
Poema de Sebastião da Gama

Ah como é bom fechar os olhos
e volta-los , fechados , para o Sol ! ......
Venham daí cortar minhas veias !
Venham daí sugar as minhas veias !
Venham todos de aí , se têm sede !
Venham todos beber !

Ah como é bom sentir,
não já sangue , mas Luz em minha veias
que eu quero pôr , rasgadas, como beijos, nas feridas dos Desgraçados ! ...

Ah como é bom saber
como é que a Luz entrou dentro de mim,
se eu tenho os olhos fechados !...

NOSSO É O MAR

Nosso é o Mar
Poema de Sebastião da Gama

Nosso é o Mar. Nosso e renosso.
Pla dor, pia teimosia, pela esperança. ...
Nosso até onde a vista o não alcança.
Nosso até onde é nosso o que for nosso.
Mas depois de o ter ganho abandonámos
alma e corpo à fadiga de o ter ganho.
Bartolomeu, não olhes. Não despertes
do sono que te dorme há cinco séculos.
Já o gume das quilhas não fecunda
teu ventre feminino, Mar aberto.
Falsa energia a nossa! Desflorado
teu sexo, Mar, aos corvos o cedemos.
Voluptuosa e saudável, tua carne
é convite e oferta como dantes.
Nós, mortos! Nós, sem força! Nós, sem fogo,
de uma saudade mole possuídos!

ROMÂNTICO

Romântico
Poema de Sebastião da Gama

Olha,
quando vieres, Morte !,...
não venhas sorrateira.
Quero sentir-te bem,
levar bem nítido, nos lábios,
o travo do teu beijo ...

Chorem os outros, Morte !, a dolorida
minha hora final.
P'ra mim , que bom saber até ao fim
a que é que sabe a Vida ! ...

SULCOS

Sulcos
Poema de Sebastião da Gama

Onde acoitar-me que não
sinta as carnes retalhadas,
se os meus sentidos me são
chicotes e chicotadas ?

SERRA-MÃE

SERRA-MÃE
Poema de Sebastião da Gama

O agoiro do bufo, nos penhascos,...
foi o sinal da Paz.
O Silêncio baixou do Céu,
mesclou as cores todas o negrume,
o folhado calou o seu perfume,
e a Serra adormeceu.

Depois, apenas uma linha escura
e a nódoa branca de uma fonte antiga :
a fazer-me sedento, de a ouvir,
a água, num murmúrio de cantiga,
ajuda a Serra a dormir.

O murmúrio é a alma de um Poeta que se finou
e anda agora à procura, pela Serra,
da verdade dos sonhos que na Terra,
nunca alcançou.

E outros murmúrios de água escuto, mais além :
os Poetas embalam sua Mãe,
que um dia os embalou .

Na noite calma,
a poesia da Serra adormecida
vem recolher-se em mim.
E o combate magnífico da Cor,
que eu vi de dia :
e o casamento do cheiro a maresia
com o perfume agreste do alecrim ;
e os gritos mudos das rochas sequiosas que o Sol castiga
--passam a dar-se em mim .

E todo eu me alevanto e todo eu ardo.
Chego a julgar a Arrábida por Mãe,
quando não serei mais que seu bastardo.

A minha alma sente-se beijada
pela poalha da hora do Sol-pôr ;
sente-se a vida das seivas e a alegria
que faz cantar as aves na quebrada ;
e a solidão augusta que me fala
pela mata cerrada,
aonde o ar no peito se me cala,
descem da Serra e concentrou-se em mim.

E eu pressinto que a Noite, nesse instante,
se vai ajoelhar ...

..........................................................................................................................................................................................................................................

Ai não te cales , água murmurante !
Ai não te cales , voz do Poeta errante !

-- se não a Serra pode despertar .

Cópia do Livro " Serra-Mãe "

O MENINO GRANDE

O MENINO GRANDE
Poema de Sebastião da Gama

Também eu, também eu,
joguei às escondidas, fiz baloiços,...
tive bolas, berlindes, papagaios,
automóveis de corda, cavalinhos...

Depois cresci,
tornei-me do tamanho que hoje tenho,
os brinquedos perdi-os, os meus bibes
deixaram de servir-me.
Mas nem tudo se foi:
ficou-me,
dos tempos de menino,
esta alegria ingénua
perante as coisas novas
e esta vontade de brincar.

Vida!
não me venhas roubar o meu tesouro:
não te importes que eu ria,
que eu salte como dantes.
E se eu riscar os muros
ou quebrar algum vidro
ralha, ralha comigo, mas de manso...

(Eu tinha um bibe azul...
Tinha berlindes,
tinha bolas, cavalos, papagaios...
A minha Mãe ralhava assim como quem beija...
E quantas vezes eu, só pra ouvi-la
ralhar, parti os vidros da janela
e desenhei bonecos na parede...)

Vida!, ralha também,
ralha, se eu te fizer maldades, mas de manso,
como se fosse ainda a minha Mãe...

HARPA

HARPA
Poema de Sebastião da Gama

Olha, Senhor!,
o indigno cantor que Tu fadaste...
e se não pode erguer
à sua própria altura!...

- Virgem das minhas mãos, a Harpa acende
novos brilhos no Sol, traduz em cor
a saudade dos sons que não desprende...
Tu a fizeste, Deus!, para os meus dedos;
a glória do Teu gesto criador
Tu a quiseste partilhar
na glória quase igual de o entender.

E foi com Teu amor que retesaste as cordas,
com Teu amor as afinaste
e me chamaste
à tarefa sublime de tangê-las.

E eu sinto o Frémito, Senhor!
Sinto o sopro que Tu me inoculaste
ao dar-me a Tua bênção.
Dentro de mim é Som: o eco longo
de uma nota sem fim e sem começo.

Mas só cá dentro o Frémito ressoa...
Que não consegue minha mão,
que o lodo fez e o lodo maculou,
passar à Harpa a Grande Vibração.

- Vem lavar-me, Senhor!, no azul do Mar.
Filtra a minha impureza na limpidez do Teu olhar,
a luz clara que entornas pelos montes da minha Serra verde.

Deixa outro cantar meu próprio Canto,
e seja eu somente, assim purificado
e liberto do corpo, enfim, mais uma corda
na Harpa que me tinhas destinado.

Ai o cantor indigno que fadaste!...
Ai que a Grande Vibração,
se o não redimes,
estéril morrerá...

- Que eu seja apenas Som que um outro cante
e, na renúncia de mim,
igual a mim um dia me alevante!...

CLARIDADE

CLARIDADE
Poema de Sebastião da Gama

De minha vida não sei
senão que sou feliz....
Lá o que fui ou fiz
antes de ser o que sou,
ai!, tudo me passou:
só sei que sou feliz.

E que me importa a cor
das águas que passaram?
Estas águas me bastam
que vão correndo agora.
Fosse o que fosse, a minha
passada vida incerta
(feliz ou desgraçada),
foi uma porta aberta
pra esta vida clara.
Por isso eu a bendigo,
a minha vida ida.

Talvez as rosas nela
tivessem bem mais cor,
o Sol mais Luz e Amor,
e música mais bela
a viração, então;
mais verde fosse o Mar...

- Mas que vale o que foi,
se, quanto vejo ou provo,
tem tudo um gosto novo?...
Se nada cansa ou dói?...
Se as rosas, para mim,
nasceram mesmo agora,
e as aves e o Mar?...
Se o Sol aconteceu
ao mesmo tempo que eu
olhei à minha roda
e vi o meu presente
a ser-me a vida toda?...
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GRAÇA

Graça
Poema de Sebastião da Gama
...
Aquele casamento de nós dois,
Senhor !,
foi tão sincero,
que, quando agora digo «Quero... » ,
Já não sou eu que falo
- somos nós.

(in , Itinerário Paralelo )

ELEGIA I

ELEGIA  I
Poema de Sebastião da Gama

Quero morrer ao Poente,
pra que a luz que se esbate...
e se funde no verde das ramadas
seja eu a morrer-me lentamente...

Quero morrer a essa hora mansa,
pra que a Noite depois, quando vier
embalar as estevas e beber
os branquíssimos sonhos do folhado,
pra que a Noite seja o meu cadáver
perfumado...
pra que as Estrelas
sejam bicadas de abutres
no meu cadáver...

Quero morrer ao Poente,
quero que a Noite seja o meu cadáver,
pra que, depois o leve tremular
do Ar,
pra que o nocturno aceno
pleno
de Ritmo e som do Ar,
seja o meu coração vibrando ainda,
a não poder-se conformar
com a Senhora Morte que o deixou
amortalhado em Luar...

Quero morrer à hora do Poente,
à minha hora tranquila...
Que não saiba ninguém, quando no Céu
brilhar a primeira Estrela,
se a luz crepuscular, em mim, num êxtase, morreu,
ou se fui eu
que o espírito nela diluí,
pra ir morrer nos lábios descorados
de uma crinça doente...

Quero morrer ao Poente,
confusamente ouvindo os dobres de finados
que há-de o Vento gemer nos magoados
lírios do campo...

As minhas esperanças
são lenços brancos acenando
de um cais distante, mais distante
de cada vez que me espreito...

São lenços dizendo adeus
ao navio que se demora,
quase não singra, enleado
na saudade dos seus...

Ai que eu as não sei contar,
as minhas esperanças mortas!...
- Pois como podem ser elas
que ao barco fazem sinais,
se eu afinal não parti,
se eu é que aceno,
com lenços brancos, do cais?...

INSCRIÇÃO

Inscrição
Poema de Sebastião da Gama

Nada sabe do Mar
quem não morreu no Mar....
Calem-se os poetas
e digam só metade
os que andam sobre as ondas
suspensos por um fio.

Sabe tudo do Mar
quem no Mar perdeu tudo.
Mas dorme lá no fundo,
tem os lábios selados,
e os olhos, reflectem
e claramente explicam
os mistérios do Mar,
para sempre fechados.

Sebastião da Gama

ELEGIA PARA A MINHA CAMPA

ELEGIA PARA A MINHA CAMPA
Poema de Sebastião da Gama

Agora, só,
que é o meu corpo terra confundida...
na terra desta Serra minha Mãe;
agora, só,
a minha voz que sempre cantou mal
ao Céu se eleva...

Agora, só,
que no ventre da Serra minha mãe repousa
meu corpo de Poeta,
de Poeta mudo em vida, por ausente
do ventre maternal os nove meses;
agora, só, claríssima se eleva
a minha voz-louvor,
a minha voz-carícia a minha Mãe,
ao Céu...

Agora, só,
que os meus lábios são terra de onde nascem
as moitas de folhado e de alecrim,
a minha voz saudosa de cantar
se elevará
até aonde o Céu tem cor e fim.
Se elevará a minha voz, perfume
desprendido, suavíssimo, dos matos
que surgiram de mim...

Agora, só,
que sou terra na terra misturada,
que a minha voz é voz de rosmaninho,
eu poderei tratar por tu
a meu Irmão Frei Agostinho...
Agora, só, a meu Irmão,
que comigo nasceu naquele Dia
em que ao Céu se entregou,
ébria de Sol e Maresia,
nossa Mãe Serra...
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CARTA DE GUIA

CARTA DE GUIA
Poema de Sebastião da Gama

  Mesmo com este calor eu quero ir.
Aos tropeções, aos bordos, de qualquer maneira,...
porque há pessoas que estão à minha espera
e que nasceram pra eu me importar com elas.
Há vinte e dois anos que estou a falar de mim
e hei-de falar de mim a vida inteira:
tanta coisa que eu tenho para dizer,
e passar ao papel!
A anatomia da minha alma, principalmente,
que há-de ficar escrita,
pra que vejam como é esquisito um homem por dentro.

Mas agora, neste momento,
e noutros iguaizinhos a este,
ponho de parte o binóculo com que me espreito
e graças ao qual tudo o que em mim é pequeno me parece grande
e vou prà frente, apesar do calor,
apesar de ir como um bêbado.
Há mãos estendidas, lábios secos.
Casas aonde o Sol tem pudor de entrar, de tão infectas.
Aonde Deus taparia o nariz, se chegasse à porta.
Quando as palavras são como pensos de linho,
não há nada melhor para a alma, feita de carne em chaga de um homem.
Por isso é que vou indiferente a este calor de Junho.
O binóculo fica à espera.
Eu fico à espera.
Largo barcos e redes,
não aconteça que os outros todos que estão à minha espera
tenham morrido já, quando eu chegar,
ou já não tenham ouvidos para as minhas palavras,
nem lábios que percebam
a frescura de água que eu levar...

IMAGENS

Imagens
Poema de Sebastião da Gama

Ó corpo feito à imagem
de meu desejo e meu amor, ...
que vais comigo de viagem
pra onde eu for,
que mar é este em que andamos,
há três noites bem contadas
e não tem ventos nem escolhos
nem ondas alevantadas?
que sol é este, que aquece,
mas sereno, tão sereno,
que nem te põe menos branca
nem a mim põe mais moreno?
que paz é esta, nas horas
mais violentas e bravas?
(Sorrias: ias falar.
Sorrias e não falavas.)
que porto é este? esta ilha?
que terra é esta em que estamos?
(Era uma nuvem, de longe...
Deixou de o ser, mal chegámos.)
e este caminho, onde leva?
e onde acaba este jardim
que é tão em mim que é em ti?
que é tão em ti que é em mim?...
Ó alma feita à imagem
do sonho que me desmede
— que sede é esta que temos
que é mais água do que sede?

A MEUS IRMÃOS

A Meus Irmãos
Poema de Sebastião da Gama

Batam-me à porta
os que andam lá por fora, à neve; ...
batam os que tiverem frio ou sede;
os que sintam saudades de um carinho;
os desprezados;
os que há muito não vêem uma flor
e encontram só poeira no caminho;
os que não amam já nem já os ama ninguém;
os esquecidos de como se sorri;
os que não têm Mãe...

Batam-me à porta os Desgraçados,
os que têm os dedos calejados
dos dedos ásperos da Miséria, o
s que travam desordens nas tavernas
e brincam às facadas,
os que não têm abrigo nem Amigo,
os que o Destino escarrou,
os que não foram crianças,
os que nasceram num bordel
e por quem passam todos sem olhar.

Batei à minha porta, Irmãos,
entrai,
que eu tenho Amor pra vos dar...

E se eu também bater
(que eu também choro
muitas vezes, lá por fora;
também amargo tristezas;
que eu também sou Desgraçado)...
Pois se eu bater,
vinde logo depressa abrir-me a porta;
aquecei-me no meu lume;
dai-me do pão que eu parti
e do Amor que vos dei...

Deixai-me estar entre vós
como se fosse um de vós,
que eu também sou Desgraçado...

Ah! se eu bater
(mas é preciso que eu possa
ter força ainda nas màos),
por Deus abri a porta, meus irmãos,
como se a casa fora vossa!...

CANÇÃO DA FELICIDADE

CANÇÃO DA FELICIDADE
Poema de Sebastião da Gama

   ... Pois à minha vida...
nada lhe faltava.
Minha taça estava
toda ela cheia.

Nem fazia ideia
que pudesse haver
mais algum prazer
que aquele que eu tinha.

Pela manhãzinha
pela tarde quente,
ninguém mais contente
pela rua andava.

As mãos, se as fechava,
as mãos, se as abria,
tudo quanto havia
tudo havia nelas.

Não pedia Estrelas,
não pedia flores,
não pedia amores,
porque os tinha já.

Que de enigmas há!
Como a Vida tem
coisas que a ninguém
passam p’la cabeça!

Antes que me esqueça
deixem-me contar:
hoje fui passear,
manhãzinha ainda,

e vi a mais linda
de todas as rosas:
pétalas sedosas,
vermelhas, brilhantes...

E eu, que tinha dantes
quanto me bastava,
nada me faltava
para ser feliz,

eu, que nunca quis
mais do que me deu
o favor do Céu
e o da humana gente,

fiquei tão contente
como se essa rosa
fosse misteriosa
flor que eu desejasse;

como se andasse
à procura dela
por faltar só ela
para ser feliz...
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A B C

A B C

"Quantas horas perdi
foi por ti
que as perdi."...
Vai o meu coração
repetiu a lição:

- "Quantas horas perdi
foi por ti
que as ganhei..."

Sebastião da Gama

sábado, 12 de julho de 2014

BILHETINHO

Bilhetinho
Poema de Sebastião da Gama

Aconchega-te, Amor, em minha vida.
Entra na minha vida e fica lá,...
sem ocupar lugar.
Que eu te não veja com os olhos querida.
que não sinta sequer que tu ficaste,
mas adivinhe que sem ti ali
à minha vida , quarto onde entraste ,
nem ao menos podia chamar vida ..

ELEGIA PARA UMA GAIVOTA

Poema de Sebastião da Gama –
“Elegia para uma gaivota”

Morreu no mar a gaivota mais esbelta,
a que morava mais alto e trespassava...
de claridade as nuvens mais escuras com os olhos.

Flutuam quietas, sobre as águas, suas asas.
Água salgada, benta de tantas mortes angustiosas,
aspergiu-a.
E três pás de ar pesado para sempre as viagens lhe vedaram.

Eis que deixou de ser sonho apenas sonhado. É
finalmente sonho puro,
sonho que sonha finalmente, asa que dorme voos.

Cantos de pescadores, embalai-a! Versos dos poetas, embalai-a!
Brisas, peixes, marés, rumor das velas, embalai-a!

Há na manhã um gosto vago e doce de elegia,
tão misteriosamente, tão insistentemente,
sua presença morta em tudo se anuncia.

Ela vai, sereninha e muito branca.
E a sua morte simples e suavíssima
é a ordem-do-dia na praia e no mar alto.

OBSESSÃO

Obsessão
Poema de Sebastião da Gama

Quero a Noite completa, desumana.
A Noite anterior. A Noite virgem ...
de mim. A Noite pura. Quero a Noite,
aonde é impossível encontrar-te.

Que não há rio nem rua nem montanha
nem floresta nem prado nem jardim
nem pensamento algum nem livro algum
em que não me apareças, sorridente.

POETA

Poeta
Poema de Sebastião da Gama
1
Era nas suas mãos que terminavam
as coisas infinitas e as finitas. ...
Por isso as suas mãos eram abismos
aonde se perdia o Pensamento.

2
Tudo ganhou sentido num momento...
Água mansa com choupos reflectidos,
teu olhar descansava no do Poeta;
e a poesia das coisas sem Poesia,
que no olhar do Poeta dormitava,
de súbito nas coisas acordava
— tão natural, tão íntima, tão própria,
como se fora delas que nascera...

NÓS

Nós
Poema de Sebastião da Gama

Quem não quer vir, que não venha,
que o dó me faz perdoar ...
e persistir na Campanha.
Talvez,
quando eu já for percebido, se arrependam,
e a troça então se lhes mude
num sorriso constrangido.

Não venham, que eu vou por eles
e gritam por mInha boca suas bocas,
fechadas, ou por vergonha,
ou por orgulho, ou por falta
de aquela fé que me arrasta.

Descansem!
Se eu lá chegar, faz de conta
que quem chegou foram eles;
e faço da mu1tidão
a capa para os meus ombros;
e Deus, que não me distingue
(eu com todos me pareço),
pra não deixar-me sem prémio
há-de dar a cada qual
o prémio que eu só mereço.

Se eu lá chegar...
Mas eu chego!...
Nem que de aqui a trés passos
se me cansassem os braços
e as pernas se me partissem
e a vida se me acabasse,
ali, na terra, caído,
já eu teria chegado:
tanto vale minha Esperança,
que o Céu começa onde quer
que eu solte a última voz;
e a Mão que as feridas me afague,
no gesto de as afagar,
deixou as portas do Céu
abertas de par em par.

VIDA

Vida
Poema de Sebastião da Gama

Hoje, cá dentro, houve festa...
Alcatifei-me de veludo azul, ...
fiz pintar a Ternura os meus salões,
e pus cortinas de tule...
Mas não chamei grandes orquestras
nem um clarim, a proclamá-la:
mandei tocar, em mim,
uma música assim de procissão
que levou os meus sentidos
a nem sequer se sentirem, de embevecidos...

Hoje, cá dentro, houve festa...
E, se houve festa e veludos,
e musica azul, e tudo
quanto digo,
foi somente porque a Graça
desceu hoje a visitar-me.

E eu, que vivo de Infinito
as raras vezes que vivo;
eu, que me sinto cativo
no pouco espaço que habito,
onde a presença de dois,
por ser demais, me embaraça,
deixei logo o meu lugar,
para dar lugar à Graça.

Não tinha pés: tinha passos;
não tinha boca: era beijos;
não tinha voz: era como
se o folhado e a maresia
se tivessem combinado
pra cantar «Ave, Maria...»

Foi então que vivi; então que vi
os poucos metros que vão
da minha Serra às Estrelas:
é que eu, sendo tão pequeno
que nem às vezes me encontro,
andava ali a pairar,
e o meu fim estava nelas
e o meu princípio no Mar.

A Graça, cá dentro, era
a varinha de condão
que me guiava no Ar.
E que bem me conduzia!
Parecia que eu sentia
as mesmas ânsias e a alegria
da Noite quando, no ventre,
já sente os gritos do Dia.
E eu me vi (que não sei bem
se era eu ou se era a Graça
quem p’los meus olhos olhava);
e eu me vi, que me tomava
em tons de rosa esmaiada
—barra da saia da Tarde
que ainda bem não morreu
e já de si tem saudades;
e fui murmúrio do Mar
que reza o que eu lhe ensinei;
e fui perfume exalado
dos matos da minha Serra
— perfume que, modelado
às formas que tens, sem tê-las,
mostrou teu corpo perfeito:
esse perfume que eu era
desenhava-te o perfil;
por olhos, tinhas Estrelas;
meu carinho de pensar-te
era a curva do teu peito.

E a minha varinha maga
do perfume fez um grito
da Serra, ébria de si;
e eu, nesse grito, subi;
bati às portas do Céu,
mas era cedo demais
e caí.

Para pairar, em poalha
que não é oiro, mas sim
a palavra com que Deus
fechou-me as portas do Céu;
beijo a minha criação
quando beijo a minha Serra;
sou passadeira de mim
e nego, na Luz que sou,
que seja feito de terra.

Ai quem me dera morrer!
Liberto do que não sou,
viver a única vida
pra que Deus me destinou!
Dá-me a vida que me mate, Senhor!
Fica-me dentro pra sempre,
a guiar-me pelo Além!

E tu perdoa, se eu morro,
que é p’ra nascer, minha Mãe!

O CAIS

O Cais
Poema de Sebastião da Gama

Já o cais não é de pedra,...
de tanto sentir o Mar.
Já não é, a pedra, lisa:
já ganha forma de velas
pandas de vento e de orgulho;
já deixou de ser branquinha
p'ra ser azul como as águas.
Já cordame, que o sonha
noite e dia sobre o cais,
o tem o sonho mudado
em algas prenhes de iodo.
Degraus de pedra se animam
e pelas ondas se atrevem
-botes sem mestre, perdidos,
sem outro leme que o gosto
de ir pelas ondas adentro.
Marujos que o nunca foram,
assentadinhos no cais
desde a hora de nascer,
quem foi que disse que tinham
raízes naquelas pedras?
- Já lhes despontam nas costas,
já por ares e mares os levam,
asas leves de gaivota.

Cada traineira que passa
convida o cais a sair.
Já o cais não é de pedra.
O sal moldou-lhe uma quilha,
as ondas o encurvaram,
os limos o arrastaram
p'ra lá de todo o limite,
e o cais cedeu ao convite
de ser um barco sem mestre.

Lá vai perdido nas ondas
e não lhe importa a chegada.
Deitou a bússula ao Mar.
Fez uma estaca do leme,
que atesta o sítio em que foi.
Voltou as costas à terra
e o seu destino cumpriu-se,
que era partir e mais nada.

CANTILENA

«« Cantilena »»

Cortaram as asas
ao rouxinol
Rouxinol sem asas...
não pode voar.

Quebraram-te o bico,
rouxinol!
Rouxinol sem bico
não pode cantar.

Que ao menos a Noite
ninguém, rouxinol!,
ta queira roubar.
Rouxinol sem Noite
não pode viver.

Sebastião da Gama

ORAÇÃO DE TODAS AS HORAS

Oração de Todas as Horas

Agora,
que eu já não sei andar nas trevas,
não me roubes a Tua Mão, Senhor,...
por piedade!
Voltar às trevas não sei,
e sem a Tua Mão não poderei
dar um só passo em tanta Claridade.

Pelas Tuas feridas minhas, pelas tristezas
de Tua Mãe, Jesus.
não me deixes, no meio desta Luz,
de pernas presas...

Não me deixes ficar
com o Caminho todo iluminado
e eu parado e tão cansado
como se fosse a andar ...

Sebastião da Gama
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HORA VERMELHA

Hora Vermelha

Por que vieste, pensamento? ...
Já me bastava o Mar violento,
Já me bastava o Sol que ardia…
P’los meus sentidos escorria
não sei lá bem que seiva forte
que a carne toda me deixava
qual uma flor ou uma lava
num riso aberto contra a Morte.

Já me bastava tudo isto.
Mas tu vieste, pensamento,
e vieste duro, turbulento.
Vieste com formas e com sangue:
erectos seios de mulher,
as carnes róseas como frutos.

Boca rasgada num pedido
a que se quer e se não quer
dizer que não.
Os braços longos estendidos.
A mão em concha sobre o sexo
que nem a Vénus de Camões.

Aí!, pensamento,
deixa-me a calma da Poesia!
Aqui na praia só com ela,
virgem castíssima, sincera!…
Sua mão branca saberia
chamar cordeiro ao Mar violento,
Pôr meigo, meigo, o Sol que ardia.
Mas tu vieste, pensamento.
Tua nudez, que me obsidia,
logo, subtil, encheu de alento
velhos desejos recalcados,
beijos mordidos
antes de os ver a luz do Dia.

Vai-te depressa, pensamento!
Deixa-me a calma da Poesia.
Fique em minh’alma o só perfume
da cerca alegre de um convento.

Os meus sentidos embalados
numa suave melodia.
(Ah!, não nos quero desgrenhados
como quem volta de uma orgia).

E então meus lábios mais serenos
do que se orassem sobre um berço,
sorrindo à Vida,
sorrindo à Morte.
Ah!, não nos quero assim grosseiros,
ébrios, torcidos,
como depois de um vinho forte.

Sebastião da Gama, in 'Cabo da Boa Esperança'