quinta-feira, 24 de julho de 2014

MARÉ ALTA ( Versão integral )

Maré Alta
Poema de Sebastião da Gama
( Versão integral )

Não, a lágrima não veio....
nem mesmo fazia falta.
Pra que quebrar este enleio ?
Transbordar a maré alta,
para quê ?

- Vide Deus, que O estou vivendo
nestes lábios com que choro
e nos olhos com que eu olho.
Quantas luzes se acenderam,
não se dentro de mim ,
não sei se à volta de mim !
Com as minhas mãos, erguidas,
são naves de catedral
e são preces e são velas
ardendo por sua Glória !

Não me talhes outra sorte,
meu Deus !

Se é isto morte, que eu morra
( que eu continue morrendo ... )
Se é isto vida, que eu viva.
Que fique sempre cativa
minh'alma , se é cativeiro
esta alegria,

Perdidas todas as vozes
que não sejam pra louvar-Te ...
Perdidos todos os gestos...
Perdidos todos os dias
em que eu Te não abençoe ...
A mim, Senhor ! que não quero
senão querer o que queiras,
porque me fazes contar
na minha vida passada
tanta fala em tão falada
e tanto dia perdido
e tanto gesto perdido ? ...

Sempre ao pé de mim, Senhor ! ,
e quase sempre calado,
como se eu não fosse um homem
tão miserável, tão homem
que preciso de Te ouvir
e Te sentir
pra saber que estás comigo ...

( Ai horas só de vileza
de descrença e azedume; ...)

Ah! , mas que tudo se esqueça
na Luz clara que me bebe! ...
Sejam, minhas mãos, altares !
Meus olhos, portas abertas
sobre Deus !
E, meus lábios comovidos,
beijos do Senhor, marcados
na minha carne feliz !

Meu Deus !
se tudo, e até meus pecados
e minhas dúvidas, tudo
quanto bem ou mal vivi,
foi a paga desta hora,
mas não farei para agora
me não deixares sem To ?

Toma a minh'alma ... Desfolha-a
como se fosse uma rosa ...
Ou rasga-a
como a papel que não presta ...
Faz dela quanto quiseres
mas que perceba que és Tu,
quem a esfolha, ou torce, ou rasga ...

Faz dela quanto quiseres,
mas tudo à luz desta Luz
que é o olhar dos meus olhos
e a fala que eu Te falo ...

Ai ! , a minh?alma, has-de vê-la
sempre mais bela,
mais grata para conTigo
a cada golpe se erguendo,
como se fosse nascendo
a cada novo castigo ! ...
 

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