domingo, 31 de agosto de 2014

PARAÍSO PERDIDO


PARAÍSO  PERDIDO

 

Éramos duas crianças descuidadas. 

Éramos duas flores nascidas num jardim, 

ao lado uma da outra, tão perto uma da outra, 

que confundiam seus perfumes, sua cor, suas raízes. 

Éramos ... Mas sei lá bem o que nós éramos ! 

Sei lá eu se em verdade fomos o que fomos ! 

                                        Raiz, perfume, cor,          

já só existem na dor de querer em vão lembrá-los. 

E no entanto, Amor, o que fomos nós ? 

Esta angústia, vaga mas persistente, a que devemos ? ... 

Deus fugiu-nos, não fomos nós que Lhe fugimos, 

mas não deixámos nunca de rezar-Lhe nem de acatar Seu nome. 

Quase que não saímos do jardim. 

Não matámos, não dissemos mal dos outros, 

Eu declinei convites que Deus me proibia ... 

Simplesmente, ao amar-te pensei no nosso Amor. 

Vi no Amor uma fonte de alegria – não de tristezas. 

Acreditei que teus lábios eram frutos 

que eu devia trincar antes de amadurecerem ...

Amei com a mesma ternura o teu corpo e a tua alma. 

Amei-te, flor !, raiz e caule e pétalas e folhas, 

tão carinhosamente, tão religiosamente, 

como amei teu perfume. 

Mas hoje, inexplicável, oiço em tudo 

uma tremenda acusação : o azul das ondas 

a meiguice infantil das miosótis 

o céu balsâmico, as cariciosas nuvens, 

tudo que é meigo, azul, caricioso, balsâmico 

só por hábito o sinto ainda assim.  E tudo me pergunta :

« Que é de ti ? Que fizeste 

do que olhava para nós enternecidamente"?"

Vou-te amando por hábito ! 

Mas a continuando a parecer deslumbrado e sincero. 

E o mais triste é que chego a acreditar em mim, 

e o mais irónico é que todos me gabam e me invejam. 

Pudesse eu regressar ... Mas como, 

Se quase não saí de onde estava ? 

Pudesse (mas como não pequei ?) 

não voltar a pecar, 

e novamente ser a flor ingénua do jardim ...

Ou será, minha vida maravilhosamente apaixonada 

por tudo quanto é belo, será que o teu destino  frutos que são teus 

e torturada olhar de longe a água que mereces ? 

Ah !, se o Amor me é vedado como preço de amar ardentemente, 

de comovidamente olhar, ouvir, sentir , cantar, 

abençoada angustia ! 

Levem a água para longe dos meus lábios. 

E pareçam meus lábios, eles que não beberam água puríssima intacta ;

levem para bem longe das minhas mãos os frutos 

- e que pareçam elas frutos sempre maduros e magníficos 

que nem a mão dos Homens nem a foice do Tempo maltrataram.

(Sebastião da Gama )

1 comentário:

  1. Como pode Deus castigar este homem, Sebastião da Gama, que era a imagem pura do Amor, tirando-lhe a vida quase que ainda menino??
    Tanto ficou por dizer, por fazer, por dar ao Mundo!!

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