quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

HARPA


HARPA
Poema de Sebastião da Gama

Olha, Senhor!,
o indigno cantor que Tu fadaste...
e se não pode erguer
à sua própria altura!...

- Virgem das minhas mãos, a Harpa acende
novos brilhos no Sol, traduz em cor
a saudade dos sons que não desprende...
Tu a fizeste, Deus!, para os meus dedos;
a glória do Teu gesto criador
Tu a quiseste partilhar
na glória quase igual de o entender.

E foi com Teu amor que retesaste as cordas,
com Teu amor as afinaste
e me chamaste
à tarefa sublime de tangê-las.

E eu sinto o Frémito, Senhor!
Sinto o sopro que Tu me inoculaste
ao dar-me a Tua bênção.
Dentro de mim é Som: o eco longo
de uma nota sem fim e sem começo.

Mas só cá dentro o Frémito ressoa...
Que não consegue minha mão,
que o lodo fez e o lodo maculou,
passar à Harpa a Grande Vibração.

- Vem lavar-me, Senhor!, no azul do Mar.
Filtra a minha impureza na limpidez do Teu olhar,
a luz clara que entornas pelos montes da minha Serra verde.

Deixa outro cantar meu próprio Canto,
e seja eu somente, assim purificado
e liberto do corpo, enfim, mais uma corda
na Harpa que me tinhas destinado.

Ai o cantor indigno que fadaste!...
Ai que a Grande Vibração,
se o não redimes,
estéril morrerá...

- Que eu seja apenas Som que um outro cante
e, na renúncia de mim,
igual a mim um dia me alevante!...

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